quarta-feira, outubro 30, 2024

As perseguições boas do passado...


Estava com as mãos na terra castanha, a apanhar as ervas que cercavam os pés das videiras, antes de as podar, e a pensar no prazer que tenho em mexer e remexer nesta areia diferente, que me pinta as mãos de castanho, por deixar as luvas arrumadas na prateleira da garagem, voluntariamente...

Sou o único que faz isso. Todos os restantes elementos da família, antes de fazerem qualquer coisa, no terreno com cada vez menos uso, enfiam as luvas nas mãos, como se este mundo lhes fosse estranho. E é...

Nenhum deles teve um Avô, agricultor a tempo inteiro, numa aldeia que era o espaço privilegiado das férias grandes, minhas e do meu irmão, que tinham muito mais campo que mar, na infância... 

Penso sempre nele, quando olho para as minhas mãos castanhas enquanto mexo na terra estranha, que produz muito mais ervas daninhas que plantas para consumo interno. Se tivesse escutado os seus conselhos em vez de andar a brincar com o meu irmão, muitas vezes em "terrenos proibidos", onde deixávamos sempre a marca do nosso calçado, quase como "impressão digital", talvez o hoje fosse diferente... Mas aqueles eram tempos de brincar, e eu estava longe de sonhar ser agricultor, até por saber e ver a roda viva do avó, que saltava quase diariamente de fazenda em fazenda, porque era ali que estava o seu sustento...

E gosto de pensar no Avô, não só por ser um tempo feliz, este da infância, mas por sentir um grande orgulho neste homem, excessivamente sério, incapaz de apanhar uma peça de fruta, mesmo da que cai no chão, de uma fazenda que não fosse sua...

Nota: Texto publicado inicialmente no "Largo da Memória".

(Fotografia de Luís Eme - Óbidos)


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