segunda-feira, outubro 30, 2006

"Católicos e Política" é Mais que um Livro...



"Católicos e Política" representa muito mais que um livro, para mim.
Ele marca o meu primeiro contacto com um país onde existiam demasiadas coisas proíbidas, como um simples livro...
Os meus pais guardavam-no num armário alto, misturado com roupas e trapos (num tempo em que se guardavam os trapos velhos...). Só saía de lá, quando era emprestado a alguém de muita confiança.
Havia bastante secretismo e muito cuidado a volta deste livro, e até medo. Este medo estava mais relacionado com os outros (as autoridades e afins, onde se incluiam os bufos da PIDE), que com o seu conteúdo. Estou a falar apenas de uma colectânea de textos escritos por católicos progressistas (merecem realce algumas cartas enviadas a Salazar), editado e apresentado pelo padre José Felicidade Alves.
Transcrevo apenas o primeiro parágrafo da sua apresentação: «Mais dia menos dia terá de se fazer a história crítica destes últimos anos da vida política portuguesa; e não deixará de ter lugar de relevo a presença ou ausência dos católicos na vida política, assim como a posição negativa ou positiva dos hierarcas e das estruturas clericais no funcionamento do sistema.»
Não sei porquê, mas a vida e obra do Padre Felicidade Alves tem passado completamente despercebida no Concelho das Caldas da Rainha. Penso que não existe qualquer artéria com o seu nome, nem mesmo em Salir de Matos, de onde é natural (ao contrário do que acontece nos concelhos de Oeiras e Lisboa), embora seja, sem margem de dúvida, a pessoa mais importante nascida nesta Freguesia, ao longo do século vinte.
O autor, infelizmente já desaparecido, foi a primeira pessoa da minha família a estar ligada ao mundo dos livros. Eu sou o segundo...
Quando saí das Caldas para a grande Capital, fui viver com ele e com a Elisete, sua esposa. Ainda hoje recordo esses momentos, com grande ternura e companheirismo.
Prometo voltar a falar do padre Zé, um dia destes...

sexta-feira, outubro 27, 2006

Romeu Correia Recordado nas Caldas



O cinquentenário da fundação do Conjunto Cénico Caldense foi motivo para uma série de actividades culturais, com o objectivo de recordar alguns dos melhores momentos desta colectividade artística. Uma destas actividades foi uma exposição bio-bibliográfica, no histórico e renovado Café Central das Caldas da Rainha.
Nesta exposição encontrei uma pequena pérola: uma das vitrines prestava homenagem a Romeu Correia, o grande escritor e dramaturgo de Almada - cidade onde vivo -, com recortes da peça, o programa e também o livro “O Vagabundo das Mãos de Ouro”.
A peça foi representada nas Caldas da Rainha pelo CCC em 1968 (tinha apenas quatro anos...) e disseram-me que foi um sucesso na época...
Os anos sessenta foram os anos de ouro de Romeu como dramaturgo. As suas peças estiveram em cena de Norte a Sul, com dezenas de encenações, quer de companhias profissionais quer de grupos amadores (como foi o caso do CCC). Houve inclusive várias peças suas transmitidas na televisão.
Nas muitas conversas que travámos, Romeu confidenciou-me, mais que uma vez, que uma das suas mágoas foi ter sido muito mais vezes representado no tempo da ditadura (sempre com os olhos bem atentos dos censores...), que em plena democracia.


Agradeço desde já a amabilidade de Natacha Narciso e da "Gazeta das Caldas", que me cederam a imagem que ilustra esta crónica.

terça-feira, outubro 24, 2006

A Praça da Fruta



Tenho lido algumas opiniões sobre o futuro (quase sempre pouco risonho...) da Praça da Fruta, que foi durante largos anos um dos retratos mais pitorescos das Caldas da Rainha do século vinte, pelo menos para muitos turistas.
Parece-me claro, que o divórcio entre os vendedores e os compradores locais continua a crescer. Há várias razões, a principal, deverá ser o preço demasiado elevado dos legumes e frutas, quando comparados com o das várias superfícies comerciais existentes na cidade. Sei que a simpatia dos agricultores também já não é a mesma de há alguns anos a este parte. A maior parte destas pessoas "aburguesaram-se". Não o digo por terem substituido as suas carroças por carrinhas e jipes, para se fazerem transportar das aldeias vizinhas para a cidade, mas sim pela forma como atendem as pessoas. Perderam a simplicidade, a simpatia e até o jeito brejeiro de negociar os preços. Lembro-me muito bem de ir de mão dada com a minha mãe às praças da fruta e do peixe, e de assistir a autênticos espectáculos entre as vendedoras - principalmente as peixeiras - e as freguesas, em que todos os preços eram bem regateados, à boa maneira marroquina...
A própria qualidade dos produtos nem sempre é a melhor. Por vezes os agricultores tentam vender gato por lebre, ou seja, venderem produtos espanhóis, de segunda, como se fossem produzidos no Oeste. Espertezas muito pouco saloias...
Lembro-me que o meu avô também vinha vender alguns dos produtos que semeava à praça. A minha avó ficava sempre espantada pela rapidez com que ele vendia as coisas, chegando a casa, quase sempre a tempo de almoçar. Como não tinha alma de vendedor, acabava por vender as coisas ao preço pedido pelos clientes, despachando a mercadoria rapidamente, embora a margem de lucro não fosse muito elevada. Claro que o meu avô era um "amador" nestas coisas do comércio, por isso é que nunca enriqueceu.
Voltando à Praça da Fruta, tenho pena que se perca este mercado cheia de cor e vida, mas o tempo é mesmo assim: anda sem parar e muda sem avisar...
Sei que quando atravessar a Praça da República a meio da manhã e não sentir o bulício mercantil habitual, só me resta parar no tempo e ficar a olhar para dentro de uma das minhas janelas da memória, à procura de um sinal. Talvez encontre algumas pessoas a circularem, de um lado para o outro, com os olhos fixos na fruta e nos legumes das bancas e dos cestos, enebriadas pelo cheiro a campo...

sexta-feira, outubro 20, 2006

A Leitura de Jornais



Desde bastante cedo que me habituei a ler jornais.
Iniciei este hábito (ou vicio...) no começo da adolescência com a leitura de "A Bola", a chamada Biblia dos jornais, título que irritava e fazia "comichão" aos diários generalistas.
Os jornais dessa altura (anos setenta) eram bastante diferentes, quer no tamanho quer no conteúdo.
"A Bola" tinha a particularidade de ter na sua redacção um dos quintetos memoráveis do jornalismo português, Carlos Pinhão, Vitor Santos, Carlos Miranda, Alfredo Farinha e Homero Serpa. Habituei-me a ler as suas excelentes crónicas que ultrapassavam o universo futebolístico e eram grandes lições de prosa, em qualquer parte do mundo.
Mais tarde comecei a ler outros jornais, mas nunca fui tão fiel a nenhum deles, como fui ao trissemanário desportivo.
Uma das coisas da qual me orgulho, a nível profissional, em vários serviços por onde passei, foi arranjar maneira de comprarmos jornais diferentes, diariamente, de segunda a sexta. Além de ter fomentado a leitura também fomentava a diversidade. Recordo-me que o jornal que os meus companheiros menos gostavam de ler da lista, era o "Público" de sexta feira. Eu, antes pelo contrário, achava que era uma das nossas melhores escolhas...
Hoje continuo a ler jornais, embora deva confessar que já não os compro diariamente, graças às suas edições on-line. Claro que é dificil deixar o "papel", não é por acaso, que sempre que há um artigo que me interessa, vai de imprimir...
Uma das leituras que não dispenso é a "Gazeta das Caldas". Embora possa discordar de algumas opções editoriais, não tenho dúvidas que é um dos melhores jornais regionais que conheço e também a maneira mais acessível de saber como vão as coisas na minha cidade natal.
Nada melhor para ilustrar estas palavras, que o óleo, "Lendo o Jornal", de José Malhoa.

terça-feira, outubro 17, 2006

A Bela Lagoa de Óbidos


Sei que esta fotografia não é a mais apelativa, nem tão pouco retrata toda a grandeza da Lagoa de Óbidos...
Descobri esta paisagem deslumbrante ainda na infância, numa daquelas aventuras dignas de "os cinco", vividas com os amigos da meninice, o meu irmão, o Fernando, o Zé Luís, o Orlando e o Celestino.
Quando chegámos ao alto da Quinta do Negrelho, fiquei completamente deslumbrado com o que descobri, um mar de águas calmas e brilhantes, que ocupavam toda a paisagem, envolvida pelo verde dos pinhais e campos circundantes.
Nunca mais esqueci aquele miradouro natural, onde assisti, alguns anos mais tarde, ao pôr do sol, único.

sábado, outubro 14, 2006

O Cine-Teatro Pinheiro Chagas


O Cine-Teatro Pinheiro Chagas faz parte do meu imaginário infanto-juvenil. Foi a sala onde vi as primeiras sessões de cinema, através de clássicos inesquecíveis de Walt Disney, como a “Gata Borralheira” ou a “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Depois da Revolução de Abril lembro-me de ter assistido a inúmeras matinés (penso que as entradas eram gratuitas...), onde foram projectados inúmeros filmes de animação e de aventuras.
Pouco tempo depois fechou para obras...
Acredito que nessa altura a maior parte dos caldenses pensavam que se tratava de um fecho temporário...
Mas a verdade é que nunca mais abriu as suas portas.
Começaram por destruir o seu interior, até que em 1992, o cinema histórico da antiga Praça do Peixe veio mesmo abaixo.
O processo de destruição do Pinheiro Chagas é muito parecido com o da Casa da Cultura - substituta do Casino do Parque, depois de Abril de 1974. Fecharam para obras, mas não voltaram a abrir as portas.
Foram dois dos maiores atentados à cultura da Cidade das Termas. O mais curioso, foi nunca ter visto ninguém explicar o que se passou de facto com estes dois encerramentos.
Continuo a pensar que estes encerramentos foram motivados por razões políticas. Especialmente a Casa da Cultura, cuja orientação cultural tinha uma matriz de esquerda, que contrariava a política conservadora do Município local.

terça-feira, outubro 10, 2006

Salir do Porto Desperta do Pesadelo


No domingo estive em Salir do Porto e fiquei bastante feliz por ver aquele lugar, onde cheguei a passar férias na infância, despertar de um pesadelo com vários anos. A falta de respeito pelas normas ambientais e a nossa fiscalização deficiente, conseguiram transformar um lugar aprazível numa espécie de esgoto a céu aberto.
Já é visível que as águas estão menos poluidas - embora ainda estejam distantes do ideal -, dando a sensação que as pecuárias e algumas localidades próximas, deixaram de utilizar as águas do Rio Salir para descarregar os seus dejectos imundos. Dejectos que tornaram um lugar agradável num espaço extremamente perigoso, para quem se banhasse nas suas águas.
O resultado desta irresponsabilidade, que se prolongou tempo demais (e contou, infelizmente, com a passividade dos responsáveis locais), traduziu-se na perda de largos milhares de turistas nos últimos anos na região.
Gostei de passear na ponte de madeira - muito bem concebida -, que é mais que uma passagem, pois também acaba por ser uma ligação à bonita Baía de São Martinho do Porto.

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Conjunto Cénico Caldense



Sempre me lembro de ouvir falar do Conjunto Cénico Caldense como uma Associação completamente inovadora na Cidade das Termas.
Quando era mais pequenote, cheguei a pensar que se tratava simplesmente de um conjunto musical (iludido pelo nome...), daqueles que animavam os bailes das colectividades.
Alguns anos mais tarde descobri que o CCC tinha sido uma verdadeira colectividade cultural das Caldas da Rainha, que além do seu excelente grupo teatral, possuía uma mão cheia de animadores que promoviam tertúlias literárias, saraus musicais, exposições artísticas e evocativas, sessões de cinema, entre outras actividades de âmbito cultural e associativo.
Gostei bastante de ler o Caderno Especial que a “Gazeta das Caldas” lhe dedica esta semana, com vários testemunhos, todos elucidativos do que foi a vida do CCC. Os recortes que ilustram as páginas são a melhor prova da sua diversidade artística.
Depois de folhear e ler este suplemento, fiquei com a sensação de que as Caldas da Rainha tinham muito mais dinamismo cultural nos anos cinquenta, sessenta e setenta, que na actualidade.
Lamento que o CCC tenha sido engolido pelo calor da Revolução de Abril... e que não tenha tido um único substituto à altura, nos últimos trinta anos.
Assim como lamento o que fizeram à Casa da Cultura e ao Cine-Teatro Pinheiro Chagas.
Quando misturam política com cultura, a Cultura fica sempre a perder... porque será?
Prometo voltar a estas duas instituições, um dia destes, sobre as quais continua a existir um silêncio, quase absurdo.

quinta-feira, outubro 05, 2006

A Possibilidade Para Tudo



"The Possibility of Everything" ou "A Possibilidade Para Tudo" é o nome da Exposição Antológica (1989 - 1994) de João Paulo Feliciano, patente na Culturgest, em Lisboa.
O título desta mostra de arte diz quase tudo e retrata o percurso pluralista deste caldense no mundo artístico, com passagens pela pintura, escultura, música, design, multimédia e arquitectura. Ninguém diria que a sua formação é de Línguas e Literaturas Modernas.
João Paulo Feliciano não é um nome estranho para mim. Embora não troquemos qualquer palavra há mais de vinte anos, fomos colegas nos bancos de escola (não me recordo se desde o ciclo preparatório, ou apenas na secundária...) do antigo Liceu, mais tarde baptizado Escola Secundária Raul Proença.
Lembro-me que o João Paulo era bastante expansivo, inventivo e até um pouco excêntrico (as ideias já fervilhavam na sua cabeça...), além de ser bom aluno e companheiro...
Enquanto escrevo estou a recordar-me de algumas peripécias e também de alguns amigos com o Paulo Gaspar, o Zé da Silva, o Vitor "Cenoura", a Orlanda, a Paula Barreto, o Paulo Lemos, o Jorge Bandeira Duarte, o Luís Borga, o João Buiça, a Cristina Aleixo (os últimos cinco mais próximos do João Paulo). É curioso, normalmente somos conhecidos apenas por um nome, o apelido, mas ele já era conhecido entre nós como João Paulo Feliciano.
Acompanhei pela comunicação social as suas incursões musicais em grupos como os "Tina & The Top Ten", os "No Noise Reduction" e também os "Pop Dell'Arte". Nunca tive a curiosidade de assistir a qualquer espectáculo destas bandas porque o seu estilo musical dizia-me e diz-me pouco.
Posteriormente li algumas entrevistas suas, como artista plástico, pouco entusiasmado com a contemporaneidade da sua arte e com as suas ideias (ainda hoje o manuseamento dos seus objectos, como arte, diz-me muito pouco). Ninguém é perfeito...
Soube pelos jornais que era um dos responsáveis pelo excelente espectáculo nocturno "Acqua Matrix" da Expo 98, que tive a felicidade de ver no Tejo.
Ah, é verdade, estive na Culturgest...
Pois, senti-me estúpido. O defeito deve ser meu, devo ter pouca sensibilidade para a sua originalidade artistica.
Apesar de tudo, achei importante falar deste artista caldense de renome internacional, com passagens afirmativas pelos EUA, Brasil e Europa, que teve a particularidade de ser da minha turma, há uns anos que já lá vão...

segunda-feira, outubro 02, 2006

A Outra Janela



Escolhi esta janela pintada por Pierre Bonnard (1867 - 1947) para ilustrar este meu pequeno apontamento, sobre outra janela, porque a achei irresistível...
Devo começar por dizer, que sempre gostei de janelas debruçadas para o Mundo.
Quando vim viver para Cacilhas, houve um pormenor decisivo na escolha da minha casa: a janela da sala, com vista para o Tejo.
Hoje, quando começou a chover, recordei-me da minha primeira janela especial, a da sala da casa onde vivi a minha infância, no Bairro dos Arneiros. Foi lá que aprendi a olhar para as coisas, com olhos de ver.
Passava horas entretido a brincar com os meus carrinhos, no parapeito da janela, enquanto olhava para a chuva que caia na rua...
Ficava deliciado a ver a Rua 26 transformar-se num grande lamaçal, quase intransitável. Sorria ao ver os transeuntes circularem aos ziguezagues, tentando escapar das poças de água. De vez em quanto lá surgia um carro, preparado para dar um banho de água castanha a quem não se precavia. O meu sorriso transformava-se numa gargalhada sempre que isto acontecia, porque nós crianças, adoramos estas cenas "maléficas", dignas de qualquer um filme tragico-cómico.
Nesta altura o alcatrão ainda era um miragem, pelo menos nos bairros limitrofes da Cidade das Termas...