sábado, dezembro 30, 2006

Mais uma Passagem de Testemunho



Mais um Ano Novo que se aproxima...
Espera-se sempre que seja melhor que o ano que passou, porque somos insatisfeitos, por natureza.
Todos sentimos que as coisas por cá não estão muito risonhas, apesar das contas compridas que aparecem nos jornais sobre os nossos hábitos consumistas.
Nem sei qual é o espanto, se não há cidade que não tenha a sua "catedral do consumismo", onde se fazem convites diários para se gastar o nosso dinheirito, com a promessa de que só pagamos para o ano, aquilo que compramos hoje...
Voltando às Passagens de Ano, nunca foram uma grande festa no seio da minha família. O Natal sempre teve outro sabor, provavelmente por os meus pais não serem muito efusivos, não terem hábitos de bater panelas, abanar notas em cima de cadeiras ou abrir garrafas de espumante e fazer brindes que raramente se concretizam, como todos nós sabemos.
Sei que as primeiras passagens de ano fora de casa foram passadas em festas de garagem, entre adolescentes. Não guardo muitas recordações dessas primeiras farras porque nesse tempo não se passavam grandes histórias com namoradas - o respeitinho era muito bonito... -, pelo menos na província.
Mesmo hoje não valorizo muito esta data e tenho dificuldade em escolher doze desejos, ao ritmo das badaladas do relógio.
Desejos que acabam por ser lugares comuns: Saúde, Paz e Amor... e claro algum dinheiro, que pode chegar a um Ferrari ou ficar-se por uma simples "lata" em segunda ou terceira mão.
Falando mais a sério, claro que todos nós merecíamos um ano de 2007 melhor, com governantes mais competentes e sérios... mas, provavelmente, a crise vai continuar, e no final do ano vem mais do mesmo... ou seja mais desejos e brindes, porque enquanto há vida há esperança...
Só podia ser assim, não fossemos nos os navegadores aventureiros que dobrámos o Cabo das Tormentas e o transformámos em Boa Esperança...
O quadro que escolhi para ilustrar o texto foi um guache de Manuel Cargaleiro, sem título, de um dos nossos grandes artistas plásticos contemporâneos.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

O Natal da Minha Infância



Quando recordo o Natal da minha infância, descubro várias coisas. A mais evidente, é que a figura do Pai Natal, quase que se resumia a uma personagem do cinema americano.
Poucos acreditariam que iria obter o peso "institucional" dos nossos dias...
A magia dessa época (que nunca foi convincente, mesmo para uma criança de quatro, cinco anos...) residia no sapatinho que se deixava na chaminé, à espera de um presente do Menino Jesus.
Claro que haviam outros atractivos, que hoje quase não existem...
Estou a falar de irmos escolher um pinheiro jeitosinho ao pinhal do bairro onde vivia, com o pai, para fazermos a Árvore de Natal, numa altura em que ainda não havia lojas de chineses nem árvores artificiais...
Melhor que decorar a árvore, era fazer o presépio! Tentávamos arranjar o maior número de figuras possível (chegávamos a ter pastores, músicos de qualquer filarmónica e até mulheres com cântaros à cabeça...), para dar vida ao musgo farfalhudo que apanhávamos no pinhal, num lugar escondido, com o qual cobríamos a máquina de costura da mãe, fechada. Com o nosso espírito inventivo faziamos colinas com pedras, caminhos com areia clara da praia e lagos com pedaços de prata de maços de cigarro...
Era, sem qualquer dúvida, um Natal mais inventivo e menos consumista...
A imagem que ilustra este texto é o bonito presépio de Salir de Matos, onde ainda não chegou a triste brincadeira de fazer desaparecer as suas figuras carismáticas...

segunda-feira, dezembro 18, 2006

A Árvore que Falava


O meu irmão, por ser mais velho, sempre foi o mestre das traquinices em casa, embora raramente fosse apanhado, por ser mais espertalhaço e cuidadoso que eu.
Às vezes esmerava-se nos seus jogos, sem medir as consequências, como costuma ser normal na meninice...
Sempre teve um jeito especial para se empoleirar em árvores, como se quisesse imitar o Tarzan. Uma das suas brincadeiras especiais teve como protagonista uma árvore, também especial, de Salir de Matos. A árvore era enorme e ficava próximo da casa de uma das nossas tias, rente à estrada principal de alcatrão que nos levava à Santa Catarina do Zé do Carmo. Ele adorava esconder-se por entre a folhagem e pregar sustos a quem passava, com tiradas únicas. Assobiava, gritava, imitava vozes, etc. Curiosamente, as pessoas olhavam para todos os lados menos para cima.Eu quando dava pela sua falta já sabia onde estava...
Costumava ficar a apreciar o espectáculo, afastado, para não ser descoberto. Fartava-me de rir com a reacção das pessoas. Quem estivesse por perto, pensava que eu era maluquinho...
A única vez que não achei muita graça foi quando a vitima foi um senhor que conheciamos por "Ti Zei". Ele vinha sossegado na sua bicicleta e ao ouvir o seu nome, começou a ziguezaguear, até ficar estatelado no chão, uns metros mais à frente. Claro que sorri ao vê-lo andar aos ésses, mas depois de o ver cair, deu-me vontade de descer e ir ajudá-lo. Não foi preciso porque ele levantou-se rapidamente, irritado. Ainda voltou para trás, a falar alto, à procura do «cabrão que o tinha feito cair, rasgar as calças e lixar o joelho». Mais uma vez, olhou para todos os lados, menos para cima. Também se olhasse para cima não via o meu irmão, porque ele estava bem escondido por entre as folhas da amoreira.
O "Ti Zei" lá se fez à vida, com as calças rotas no joelho e sangue à vista. Caminhava direito na estrada, pelo que vi que não havia problemas de maior...
Outras vezes assobiava e era ver os carros e as motorizadas a travarem, com os condutores a olharem para todos os lados, até perceberem que tinham sido vitimas de um brincalhão...
E se ele adorava esta brincadeira...
Normalmente falava quando as pessoas iam já uns metros à frente da árvore. Um simples «boa tarde» era o suficiente para assustar as pessoas, especialmente as mulheres, que gritavam sempre: «Ai credo! Que susto»!
A melhor imagem que encontrei com árvores e um caminho, foi este óleo de Malhoa, que retrata de uma forma soberba a bonita e misteriosa "Mata das Caldas".

sábado, dezembro 16, 2006

Últimas Palavras de um Bilhete Especial

A
s histórias nem sempre surjem quando queremos... é esta a razão de não ter dado notícias nos últimos dias.
Foi por isso que pensei em deixar aqui, o final do primeiro livro que escrevi, um romance que andou meio perdido pelo Oeste:
«Quando se preparava para partir no autocarro, Pedro olhou mais uma vez para o mar, em jeito de despedida. Descobriu ao longe um vulto. Era uma mulher que trazia na cabeça um chapéu de abas que lhe escondia o rosto do Sol e dos curiosos e no corpo um vestido leve que dançava com o vento. Passeava na areia molhada na companhia de um cão enorme. Pedro lembrou-se da Rita, a mulher que lhe escapara, e de Leonardo, o cão que fora um bom amigo.
Depois foi o regresso no comboio do Oeste. Estava meio triste, os sonhos de outros tempos iam-se distanciando do seu interior. No fundo ele sabia que eles voltariam, voltam sempre.»
Esta praia, como não podia deixar de ser, é a Foz do Arelho...
O livro em causa tem como título "Bilhete para a Violência" e é um romance sobre jornalismo e futebol. O Óleo que ilustra este texto é da autoria de João Vaz e chama-se "Manhã na Praia".

terça-feira, dezembro 12, 2006

O Largo da Igreja de Salir de Matos


O Largo da Igreja de Salir de Matos da minha meninice era muito diferente do jardim bonito, cheio de escadarias, dos nossos dias.
Nesse tempo a Igreja estava delimitada por um muro e pelas paredes das habitações próximas. Tinha também dois portões de ferro. No seu interior existiam várias lápides rasas, bastante antigas, com inscrições em latim - não faço ideia o que aconteceu a estas pedras com história, só espero que não tenham sido destruidas... -, e também um pequeno coreto, praticamente só usado nas brincadeiras da garotada.
Aquele lugar nunca foi um local demasiado sagrado, sempre me lembro de brincarmos junto à igreja... por vezes até exagerávamos e para além das brincadeiras habituais da apanhada e das escondidas, fazíamos "tiro" ao sino, com as pedras que apanhávamos do chão...
O barulho alertava as pessoas e nós acabávamos por ter de escapar para as traseiras. O sacristão da Igreja era mudo, mas acho que não era surdo, até porque era ele que fazia os vários toques do sino, quando era necessário. Ele aparecia sempre, no papel de vigilante daquela capela e quando nos via, mirava-nos com cara de caso.
Mas a aventura mais engraçada, que guardo do Largo da Igreja, aconteceu durante uns festejos do Santo Antão. Nessa altura faziam-se vários jogos tradicionais, para angariar dinheiro e divertir as pessoas. Um deles foi o popular "Pau de Cebo" - um tronco de eucalipto liso e com cebo, enterrado no chão, com um objecto colocado no seu topo, o prémio do vencedor -, que estava tão encebado que ninguém conseguiu subir e alcançar a garrafa de vinho do porto. Extra-campeonato, já sem assistentes, o meu irmão, com a ligeireza dos seus doze anitos, começou a subir o pau por brincadeira. Como qualquer "macaco" que se prezasse, conseguiu chegar lá acima, deixando cair a garrafa no solo...
Sorrimos quase em silêncio depois da façanha. Olhámos para todos os lados, como não havia ninguém por perto, pegámos no "prémio" misturado com a roupa e fomos para a casa da avó...
Quando ela nos viu com a garrafa, tivemos logo "serão e missa cantada". Depois de explicarmos o que tinha acontecido, ela lá se acalmou e a garrafa acabou por ser colocada ao lado de outras, no guarda loiça da sala.
Sei que, apesar do Largo ter sido baptizado como Largo Padre José da Felicidade Alves, vai continuar a ser o Largo da Igreja...
A fotografia que acompanha este texto foi tirada da torre da Igreja, há uns anitos... ainda se vê um pedaço do célebre sino.

domingo, dezembro 10, 2006

Domingo Cheio de Sol



Hoje esteve um domingo bonito, cheio de sol e de luz.

Fui a Salir de Matos, onde foi descerrada a placa do novo Largo Padre José da Felicidade Alves.

Foi agradável encontrar pessoas que não via há anos, que não quiseram faltar a esta homenagem simples, a um grande cidadão natural da Freguesia.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

A Originalidade Toponímica das Caldas



Algumas placas das ruas das Caldas da Rainha, felizmente, ainda guardam os traços artísticos de Rafael Bordalo Pinheiro. A do Largo Conselheiro José Filipe (um caldense que viveu no século XIX e que pertenceu a uma das famílias mais importantes da vila), junto à Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, é um bom exemplo.

Apesar de esta placa ser um objecto aparentemente simples, faz parte da história de uma Terra com grandes tradições na Arte e Indústria de trabalhar o barro.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Jardim da Cultura e do Lazer



O Parque D. Carlos I é um dos melhores cartões de visita (senão mesmo o melhor...) das Caldas da Rainha, pela sua grandeza e também pela sua beleza natural.
Os tons em verde e castanho das inúmeras plantas e árvores seculares, juntam-se ao colorido das flores e aos monumentos escultóricos que se encontram distribuídos um pouco por todo o parque...
E depois há o lago, onde além dos cisnes, se pode passear de barco, na Primavera e no Verão.
Os amantes de arte podem ainda deliciar-se com a visita ao Museu José Malhoa, um lugar especial, extremamente rico em qualidade e diversidade...

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Um Grande Ser Humano



Depois do Cardeal Cerejeira ter decretado o seu afastamento compulsivo de Belém e da Igreja Católica no final de 1968, o Padre José da Felicidade Alves teve de iniciar uma vida nova que culminou com o casamento civil com Elisete Ascensão em Agosto de 1970.
Nessa altura já tinha recebido várias vezes a visita de agentes da PIDE, na sua casa, sempre com pretextos pouco consistentes. Foi interrogado mais de uma dúzia de vezes e acabou mesmo por ser preso, entre 19 e 29 de Maio de 1970, nos calabouços da PIDE, sem culpa formada, como era hábito nesse tempo tenebroso.
Estes episódios só fizeram com que se tornasse ainda mais solidário para com todos aqueles que eram vitimas das arbitrariedades do regime, agora marcelista. Foi assim que fez parte da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e de outras iniciativas que tinham como objectivo apoiar as vitimas do marcelismo e desmascarar a prática repressiva do “lobo que vestia pele de cordeiro”, graças à sua sapiente oratória, levada ao extremo nas populares “Conversas em Família”.
A par destas actividades, trabalhou em vários sectores da sociedade, tendo como última ocupação o lugar de assessor literário do director dos “Livros Horizonte”, onde foi o responsável e autor de uma série de estudos sobre Lisboa, com destaque para o trabalho de investigação original sobre o Mosteiro dos Jerónimos, publicado em três volumes.
O dia 25 de Abril de 1974 foi um dia extremamente belo e inesquecível, para ele e para todos os democratas... porque marcou o início de uma nova vida, em Liberdade...
Vinte anos depois viu recompensada a sua acção enquanto resistente, quando foi foi condecorado por Mário Soares com a Ordem da Liberdade, no dia 10 de Junho. Meses antes tinha sido eleito Académico pela Academia Nacional de Belas Artes, graças ao seu profícuo trabalho intelectual.
Infelizmente alguns dos problemas de saúde que padecia, agravaram-se nos últimos anos de vida, limitando-o bastante, fisicamente.
Alguns meses antes de se despedir de nós, o novo Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (também natural do concelho de Caldas da Rainha...) promoveu a reconciliação do Padre Felicidade Alves com a Igreja Católica, assumindo o pedido de perdão e presidindo na Cruz Quebrada ao seu casamento canónico com a sua companheira de sempre, Elisete Alves, no dia 10 de Junho de 1998.
A 14 de Dezembro do mesmo ano, o Padre José da Felicidade Alves partiu, deixando todos aqueles que tiveram o prazer de privar com a sua companhia, com uma saudade imensa, do seu grande sentido humanista e da sua inteligência.

Este texto está ilustrado com a capa do livro "Testemunho Aberto", edição póstuma de textos do Padre Felicidade Alves, organizada por Abílio Cardoso e João Salvado Ribeiro.

sábado, dezembro 02, 2006

Largo Padre Felicidade Alves



Fico feliz por a Junta de Freguesia de Salir de Matos se ter lembrado (finalmente...) de homenagear um dos seus filhos mais ilustres, com a atribuição de um espaço topónimo importante, no largo junto da Igreja do Lugar, no próximo dia 10 de Dezembro.
Estou a falar do Padre José da Felicidade Alves (1925 - 1998).
Embora acredite que se trate de uma mera coincidência, fico satisfeito pelas minhas palavras escritas nas "Viagens", no fim de Outubro, tenham surtido algum efeito...
José da Felicidade Alves nasceu no bonito Vale da Quinta, da Freguesia de Salir de Matos, num lar humilde, filho dos tios Joaquim e Maria "Pexinheira". O seminário foi a saída possível para a criança inteligente que se salientou na escola desde bastante cedo.
Ordenado sacerdote em 1948, deu a sua primeira missa na Igreja de Salir de Matos, junto do seu povo, orgulhoso deste filho tão distinto.
A inteligência brilhante e o carácter do Padre Felecidade Alves fizeram com que fosse nomeado professor, primeiro no Seminário de Almada, depois no Seminário dos Olivais.
Posteriormente foi nomeado pároco das Freguesias de Santa Maria de Belém e de São Franscisco Xavier, em 1956, onde desenvolveu uma acção pastoral inovadora e polémica (especialmente na segunda metade dos anos sessenta), falando nas suas homilias de alguns temas tabus, como a justiça social, a guerra colonial e a perseguição política, solidarizando-se com o grupo de católicos progressistas que despontava e abanava as estruturas religiosas do Cardeal Cerejeira, amigo intimo de Salazar.
O resultado da sua coragem foi o afastamento compulsivo da paróquia de Belém por Cerejeira, com o célebre "Caso de Belém"...
Este texto está ilustrado pela capa de um livro, onde um católico salazarista pretende defender o indefensável, segundo a cartilha da Igreja de Cerejeira...
(Continua)