sábado, dezembro 30, 2006

Mais uma Passagem de Testemunho



Mais um Ano Novo que se aproxima...
Espera-se sempre que seja melhor que o ano que passou, porque somos insatisfeitos, por natureza.
Todos sentimos que as coisas por cá não estão muito risonhas, apesar das contas compridas que aparecem nos jornais sobre os nossos hábitos consumistas.
Nem sei qual é o espanto, se não há cidade que não tenha a sua "catedral do consumismo", onde se fazem convites diários para se gastar o nosso dinheirito, com a promessa de que só pagamos para o ano, aquilo que compramos hoje...
Voltando às Passagens de Ano, nunca foram uma grande festa no seio da minha família. O Natal sempre teve outro sabor, provavelmente por os meus pais não serem muito efusivos, não terem hábitos de bater panelas, abanar notas em cima de cadeiras ou abrir garrafas de espumante e fazer brindes que raramente se concretizam, como todos nós sabemos.
Sei que as primeiras passagens de ano fora de casa foram passadas em festas de garagem, entre adolescentes. Não guardo muitas recordações dessas primeiras farras porque nesse tempo não se passavam grandes histórias com namoradas - o respeitinho era muito bonito... -, pelo menos na província.
Mesmo hoje não valorizo muito esta data e tenho dificuldade em escolher doze desejos, ao ritmo das badaladas do relógio.
Desejos que acabam por ser lugares comuns: Saúde, Paz e Amor... e claro algum dinheiro, que pode chegar a um Ferrari ou ficar-se por uma simples "lata" em segunda ou terceira mão.
Falando mais a sério, claro que todos nós merecíamos um ano de 2007 melhor, com governantes mais competentes e sérios... mas, provavelmente, a crise vai continuar, e no final do ano vem mais do mesmo... ou seja mais desejos e brindes, porque enquanto há vida há esperança...
Só podia ser assim, não fossemos nos os navegadores aventureiros que dobrámos o Cabo das Tormentas e o transformámos em Boa Esperança...
O quadro que escolhi para ilustrar o texto foi um guache de Manuel Cargaleiro, sem título, de um dos nossos grandes artistas plásticos contemporâneos.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

O Natal da Minha Infância



Quando recordo o Natal da minha infância, descubro várias coisas. A mais evidente, é que a figura do Pai Natal, quase que se resumia a uma personagem do cinema americano.
Poucos acreditariam que iria obter o peso "institucional" dos nossos dias...
A magia dessa época (que nunca foi convincente, mesmo para uma criança de quatro, cinco anos...) residia no sapatinho que se deixava na chaminé, à espera de um presente do Menino Jesus.
Claro que haviam outros atractivos, que hoje quase não existem...
Estou a falar de irmos escolher um pinheiro jeitosinho ao pinhal do bairro onde vivia, com o pai, para fazermos a Árvore de Natal, numa altura em que ainda não havia lojas de chineses nem árvores artificiais...
Melhor que decorar a árvore, era fazer o presépio! Tentávamos arranjar o maior número de figuras possível (chegávamos a ter pastores, músicos de qualquer filarmónica e até mulheres com cântaros à cabeça...), para dar vida ao musgo farfalhudo que apanhávamos no pinhal, num lugar escondido, com o qual cobríamos a máquina de costura da mãe, fechada. Com o nosso espírito inventivo faziamos colinas com pedras, caminhos com areia clara da praia e lagos com pedaços de prata de maços de cigarro...
Era, sem qualquer dúvida, um Natal mais inventivo e menos consumista...
A imagem que ilustra este texto é o bonito presépio de Salir de Matos, onde ainda não chegou a triste brincadeira de fazer desaparecer as suas figuras carismáticas...

segunda-feira, dezembro 18, 2006

A Árvore que Falava


O meu irmão, por ser mais velho, sempre foi o mestre das traquinices em casa, embora raramente fosse apanhado, por ser mais espertalhaço e cuidadoso que eu.
Às vezes esmerava-se nos seus jogos, sem medir as consequências, como costuma ser normal na meninice...
Sempre teve um jeito especial para se empoleirar em árvores, como se quisesse imitar o Tarzan. Uma das suas brincadeiras especiais teve como protagonista uma árvore, também especial, de Salir de Matos. A árvore era enorme e ficava próximo da casa de uma das nossas tias, rente à estrada principal de alcatrão que nos levava à Santa Catarina do Zé do Carmo. Ele adorava esconder-se por entre a folhagem e pregar sustos a quem passava, com tiradas únicas. Assobiava, gritava, imitava vozes, etc. Curiosamente, as pessoas olhavam para todos os lados menos para cima.Eu quando dava pela sua falta já sabia onde estava...
Costumava ficar a apreciar o espectáculo, afastado, para não ser descoberto. Fartava-me de rir com a reacção das pessoas. Quem estivesse por perto, pensava que eu era maluquinho...
A única vez que não achei muita graça foi quando a vitima foi um senhor que conheciamos por "Ti Zei". Ele vinha sossegado na sua bicicleta e ao ouvir o seu nome, começou a ziguezaguear, até ficar estatelado no chão, uns metros mais à frente. Claro que sorri ao vê-lo andar aos ésses, mas depois de o ver cair, deu-me vontade de descer e ir ajudá-lo. Não foi preciso porque ele levantou-se rapidamente, irritado. Ainda voltou para trás, a falar alto, à procura do «cabrão que o tinha feito cair, rasgar as calças e lixar o joelho». Mais uma vez, olhou para todos os lados, menos para cima. Também se olhasse para cima não via o meu irmão, porque ele estava bem escondido por entre as folhas da amoreira.
O "Ti Zei" lá se fez à vida, com as calças rotas no joelho e sangue à vista. Caminhava direito na estrada, pelo que vi que não havia problemas de maior...
Outras vezes assobiava e era ver os carros e as motorizadas a travarem, com os condutores a olharem para todos os lados, até perceberem que tinham sido vitimas de um brincalhão...
E se ele adorava esta brincadeira...
Normalmente falava quando as pessoas iam já uns metros à frente da árvore. Um simples «boa tarde» era o suficiente para assustar as pessoas, especialmente as mulheres, que gritavam sempre: «Ai credo! Que susto»!
A melhor imagem que encontrei com árvores e um caminho, foi este óleo de Malhoa, que retrata de uma forma soberba a bonita e misteriosa "Mata das Caldas".

sábado, dezembro 16, 2006

Últimas Palavras de um Bilhete Especial

A
s histórias nem sempre surjem quando queremos... é esta a razão de não ter dado notícias nos últimos dias.
Foi por isso que pensei em deixar aqui, o final do primeiro livro que escrevi, um romance que andou meio perdido pelo Oeste:
«Quando se preparava para partir no autocarro, Pedro olhou mais uma vez para o mar, em jeito de despedida. Descobriu ao longe um vulto. Era uma mulher que trazia na cabeça um chapéu de abas que lhe escondia o rosto do Sol e dos curiosos e no corpo um vestido leve que dançava com o vento. Passeava na areia molhada na companhia de um cão enorme. Pedro lembrou-se da Rita, a mulher que lhe escapara, e de Leonardo, o cão que fora um bom amigo.
Depois foi o regresso no comboio do Oeste. Estava meio triste, os sonhos de outros tempos iam-se distanciando do seu interior. No fundo ele sabia que eles voltariam, voltam sempre.»
Esta praia, como não podia deixar de ser, é a Foz do Arelho...
O livro em causa tem como título "Bilhete para a Violência" e é um romance sobre jornalismo e futebol. O Óleo que ilustra este texto é da autoria de João Vaz e chama-se "Manhã na Praia".

terça-feira, dezembro 12, 2006

O Largo da Igreja de Salir de Matos


O Largo da Igreja de Salir de Matos da minha meninice era muito diferente do jardim bonito, cheio de escadarias, dos nossos dias.
Nesse tempo a Igreja estava delimitada por um muro e pelas paredes das habitações próximas. Tinha também dois portões de ferro. No seu interior existiam várias lápides rasas, bastante antigas, com inscrições em latim - não faço ideia o que aconteceu a estas pedras com história, só espero que não tenham sido destruidas... -, e também um pequeno coreto, praticamente só usado nas brincadeiras da garotada.
Aquele lugar nunca foi um local demasiado sagrado, sempre me lembro de brincarmos junto à igreja... por vezes até exagerávamos e para além das brincadeiras habituais da apanhada e das escondidas, fazíamos "tiro" ao sino, com as pedras que apanhávamos do chão...
O barulho alertava as pessoas e nós acabávamos por ter de escapar para as traseiras. O sacristão da Igreja era mudo, mas acho que não era surdo, até porque era ele que fazia os vários toques do sino, quando era necessário. Ele aparecia sempre, no papel de vigilante daquela capela e quando nos via, mirava-nos com cara de caso.
Mas a aventura mais engraçada, que guardo do Largo da Igreja, aconteceu durante uns festejos do Santo Antão. Nessa altura faziam-se vários jogos tradicionais, para angariar dinheiro e divertir as pessoas. Um deles foi o popular "Pau de Cebo" - um tronco de eucalipto liso e com cebo, enterrado no chão, com um objecto colocado no seu topo, o prémio do vencedor -, que estava tão encebado que ninguém conseguiu subir e alcançar a garrafa de vinho do porto. Extra-campeonato, já sem assistentes, o meu irmão, com a ligeireza dos seus doze anitos, começou a subir o pau por brincadeira. Como qualquer "macaco" que se prezasse, conseguiu chegar lá acima, deixando cair a garrafa no solo...
Sorrimos quase em silêncio depois da façanha. Olhámos para todos os lados, como não havia ninguém por perto, pegámos no "prémio" misturado com a roupa e fomos para a casa da avó...
Quando ela nos viu com a garrafa, tivemos logo "serão e missa cantada". Depois de explicarmos o que tinha acontecido, ela lá se acalmou e a garrafa acabou por ser colocada ao lado de outras, no guarda loiça da sala.
Sei que, apesar do Largo ter sido baptizado como Largo Padre José da Felicidade Alves, vai continuar a ser o Largo da Igreja...
A fotografia que acompanha este texto foi tirada da torre da Igreja, há uns anitos... ainda se vê um pedaço do célebre sino.

domingo, dezembro 10, 2006

Domingo Cheio de Sol



Hoje esteve um domingo bonito, cheio de sol e de luz.

Fui a Salir de Matos, onde foi descerrada a placa do novo Largo Padre José da Felicidade Alves.

Foi agradável encontrar pessoas que não via há anos, que não quiseram faltar a esta homenagem simples, a um grande cidadão natural da Freguesia.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

A Originalidade Toponímica das Caldas



Algumas placas das ruas das Caldas da Rainha, felizmente, ainda guardam os traços artísticos de Rafael Bordalo Pinheiro. A do Largo Conselheiro José Filipe (um caldense que viveu no século XIX e que pertenceu a uma das famílias mais importantes da vila), junto à Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, é um bom exemplo.

Apesar de esta placa ser um objecto aparentemente simples, faz parte da história de uma Terra com grandes tradições na Arte e Indústria de trabalhar o barro.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Jardim da Cultura e do Lazer



O Parque D. Carlos I é um dos melhores cartões de visita (senão mesmo o melhor...) das Caldas da Rainha, pela sua grandeza e também pela sua beleza natural.
Os tons em verde e castanho das inúmeras plantas e árvores seculares, juntam-se ao colorido das flores e aos monumentos escultóricos que se encontram distribuídos um pouco por todo o parque...
E depois há o lago, onde além dos cisnes, se pode passear de barco, na Primavera e no Verão.
Os amantes de arte podem ainda deliciar-se com a visita ao Museu José Malhoa, um lugar especial, extremamente rico em qualidade e diversidade...

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Um Grande Ser Humano



Depois do Cardeal Cerejeira ter decretado o seu afastamento compulsivo de Belém e da Igreja Católica no final de 1968, o Padre José da Felicidade Alves teve de iniciar uma vida nova que culminou com o casamento civil com Elisete Ascensão em Agosto de 1970.
Nessa altura já tinha recebido várias vezes a visita de agentes da PIDE, na sua casa, sempre com pretextos pouco consistentes. Foi interrogado mais de uma dúzia de vezes e acabou mesmo por ser preso, entre 19 e 29 de Maio de 1970, nos calabouços da PIDE, sem culpa formada, como era hábito nesse tempo tenebroso.
Estes episódios só fizeram com que se tornasse ainda mais solidário para com todos aqueles que eram vitimas das arbitrariedades do regime, agora marcelista. Foi assim que fez parte da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e de outras iniciativas que tinham como objectivo apoiar as vitimas do marcelismo e desmascarar a prática repressiva do “lobo que vestia pele de cordeiro”, graças à sua sapiente oratória, levada ao extremo nas populares “Conversas em Família”.
A par destas actividades, trabalhou em vários sectores da sociedade, tendo como última ocupação o lugar de assessor literário do director dos “Livros Horizonte”, onde foi o responsável e autor de uma série de estudos sobre Lisboa, com destaque para o trabalho de investigação original sobre o Mosteiro dos Jerónimos, publicado em três volumes.
O dia 25 de Abril de 1974 foi um dia extremamente belo e inesquecível, para ele e para todos os democratas... porque marcou o início de uma nova vida, em Liberdade...
Vinte anos depois viu recompensada a sua acção enquanto resistente, quando foi foi condecorado por Mário Soares com a Ordem da Liberdade, no dia 10 de Junho. Meses antes tinha sido eleito Académico pela Academia Nacional de Belas Artes, graças ao seu profícuo trabalho intelectual.
Infelizmente alguns dos problemas de saúde que padecia, agravaram-se nos últimos anos de vida, limitando-o bastante, fisicamente.
Alguns meses antes de se despedir de nós, o novo Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo (também natural do concelho de Caldas da Rainha...) promoveu a reconciliação do Padre Felicidade Alves com a Igreja Católica, assumindo o pedido de perdão e presidindo na Cruz Quebrada ao seu casamento canónico com a sua companheira de sempre, Elisete Alves, no dia 10 de Junho de 1998.
A 14 de Dezembro do mesmo ano, o Padre José da Felicidade Alves partiu, deixando todos aqueles que tiveram o prazer de privar com a sua companhia, com uma saudade imensa, do seu grande sentido humanista e da sua inteligência.

Este texto está ilustrado com a capa do livro "Testemunho Aberto", edição póstuma de textos do Padre Felicidade Alves, organizada por Abílio Cardoso e João Salvado Ribeiro.

sábado, dezembro 02, 2006

Largo Padre Felicidade Alves



Fico feliz por a Junta de Freguesia de Salir de Matos se ter lembrado (finalmente...) de homenagear um dos seus filhos mais ilustres, com a atribuição de um espaço topónimo importante, no largo junto da Igreja do Lugar, no próximo dia 10 de Dezembro.
Estou a falar do Padre José da Felicidade Alves (1925 - 1998).
Embora acredite que se trate de uma mera coincidência, fico satisfeito pelas minhas palavras escritas nas "Viagens", no fim de Outubro, tenham surtido algum efeito...
José da Felicidade Alves nasceu no bonito Vale da Quinta, da Freguesia de Salir de Matos, num lar humilde, filho dos tios Joaquim e Maria "Pexinheira". O seminário foi a saída possível para a criança inteligente que se salientou na escola desde bastante cedo.
Ordenado sacerdote em 1948, deu a sua primeira missa na Igreja de Salir de Matos, junto do seu povo, orgulhoso deste filho tão distinto.
A inteligência brilhante e o carácter do Padre Felecidade Alves fizeram com que fosse nomeado professor, primeiro no Seminário de Almada, depois no Seminário dos Olivais.
Posteriormente foi nomeado pároco das Freguesias de Santa Maria de Belém e de São Franscisco Xavier, em 1956, onde desenvolveu uma acção pastoral inovadora e polémica (especialmente na segunda metade dos anos sessenta), falando nas suas homilias de alguns temas tabus, como a justiça social, a guerra colonial e a perseguição política, solidarizando-se com o grupo de católicos progressistas que despontava e abanava as estruturas religiosas do Cardeal Cerejeira, amigo intimo de Salazar.
O resultado da sua coragem foi o afastamento compulsivo da paróquia de Belém por Cerejeira, com o célebre "Caso de Belém"...
Este texto está ilustrado pela capa de um livro, onde um católico salazarista pretende defender o indefensável, segundo a cartilha da Igreja de Cerejeira...
(Continua)

quinta-feira, novembro 30, 2006

Pausa para o Almoço



Lembro-me de a avó fazer o almoço para o avô, meter tudo numa cesta, tapadinho por um pano e levá-lo à cabeça, até à fazenda, onde ele estivesse a trabalhar.
Acompanhei a avó algumas vezes, nestas viagens, quase sempre enebriado pelo cheiro dos petiscos que fazia, para dar energia ao seu homem.
Quando chegávamos, eu olhava com enlevo para a comida e o avô sorria e acabava por a partilhar comigo. A avó não achava piada e chamava-me guloso, que já tinha almoçado, etc, mas aquele cheiro do farnel era mais forte que eu...
Recordo-me, que às vezes o meu pai também ia trabalhar para fora e levava almoço. Quando ele chegava adorava rebuscar a sua mala, à espera das sobras. A mãe fazia muitas vezes carne panada, e lá estava eu à espera de um panadinho...
Pois é, os petiscos são uma coisa fabulosa, especialmente os cheiros...
O óleo que ilustra este texto é a "Sesta" de José Malhoa, mas como este momento de descanso, está acompanhado da cesta do farnel, acabei por a escolher...

terça-feira, novembro 28, 2006

Salir de Matos na História



Hoje vou falar de um livro, que considero extremamente importante em termos históricos. Encontrei-o ocasionalmente num alfarrabista do Bairro Alto, e embora não refira o seu preço, acrescento que foi o livro que me custou mais dinheiro nestas minhas visitas pelas casas repletas de livros amarelados, com tantas histórias para contar, se falassem...
Tem o título, "O Concelho das Caldas da Rainha, Monografia Sanitária", e é da autoria do Dr. António Sampaio Madahil.
Claro que as coisas que achei mais curiosas, dizem respeito à minha Aldeia. Fiquei a saber por exemplo que Salir de Matos teve foral manuelino a 1-X-1514 e foi concelho. Este foral foi atribuído porque Salir era um povoado com sólidas e remotas tradições de existência (segundo o autor...).
Mas o que achei mais curioso (e ainda não tive tempo de confirmar...) foi que Salir de Matos é de antiga origem e de fundação romana, como se depreendeu de uma lápide com uma inscrição romana encontrada pelo Dr. Emilio Hubner, um sábio alemão que menciona este achado na sua obra "Notícias Arqueológicas de Portugal".
Por tudo o que tenho descoberto, esta obra editada em 1956, valeu o preço...

sábado, novembro 25, 2006

O Meu Mar do Oeste



Sempre ouvimos dizer, que depois da tempestade vem a bonança... e é verdade. É por isso que sabe bem ir ver o mar, depois de muita chuva e muito vento. Quanto mais não seja para lhe dizer olá e ver se não mudou de sitio...
Muitas vezes olho para as águas do Tejo e penso no meu Mar do Oeste. Ele é especial. A rebeldia, o ar selvagem, o perfume salgado, o jeito travesso com que responde às nossas perguntas, são únicos...
Vou mais longe e digo, que o meu Mar é um poema à vida...
É difícil dizer onde começa e acaba este Atlântico sublime e indomável. Penso que se forma ainda perto de Lisboa, na Ericeira, e vai subindo, pelos menos até à Nazaré. Mas é nas proximidades do Cabo Carvoeiro que assume toda a sua plenitude.
Mas é na minha Foz do Arelho, que ele pulsa mais forte...
Até mesmo os seus nevoeiros matinais, conseguem-se envolver com o nosso estado de espírito (isto do nevoeiro não é coisa de D. Sebastião, como nos querem fazer crer, é mais antigo, se calhar até já vem dos tempos de Viriato e da Lusitânia)...

Quando escolhi este óleo de Fausto Sampaio, "Berlengas", lembrei-me da Maria e do seu perfume (cheiro) a Mar...

terça-feira, novembro 21, 2006

Uma Tarde a Caiar



Uma das últimas tarefas que eu e o meu irmão fizemos em Salir de Matos, foi caiar as paredes dos páteos e das traseiras da casa, a pedido da avó.
Isto já se passou há uns doze, treze anos.
Lembro-me que foi um dia bem passado. Até porque há muito tempo que não passava o dia inteiro com o meu irmão, a falar de tudo aquilo que tinhamos em comum, desporto, amigos, família, etc.
Almoçámos com a avó... já não me lembro da ementa, mas foi delicioso.
Quando nos despedimos da avó, ela não cabia em si de contente, por ver as paredes todas branquinhas. Nós também estávamos satisfeitos, pelo dia bem passado na nossa aldeia e pela alegria da avó.

domingo, novembro 19, 2006

A Minha Primeira Viagem à Margem Sul



Não me canso de dizer, que a nossa memória é uma coisa surpreendente!
Consigo recordar-me da primeira vez que visitei a Margem Sul, embora não tivesse mais de cinco, seis anos.
Lembro-me de atravessar o Tejo de Cacilheiro, de ter feito a viagem à janela, ao colo do meu pai. E mais, recordo que os bancos eram de madeira, envernizados...
Não me lembro da maneira que fomos até ao Cristo-Rei (provavelmente fomos de táxi, não estou a ver o meu pai à procura de uma carreira que fosse até ao Santuário...).
Lembro-me sim, de estar naquele sitio alto e olhar cá em baixo para o rio Tejo e descobrir os barcos muito pequeninos, como se fossem de brincar... da estátua do Cristo de cimento, lembro-me mais de o olhar cá de baixo. Lá em cima, a sua grandeza deve-me ter confundido.
A Ponte tinha acabado de ser inaugurada, mas não retive qualquer imagem desta passagem de tão grande utilidade para a Outra Margem...
Quem diria, que desta vez as minhas "viagens" escaparam do Oeste e vieram até à Minha Margem...

quinta-feira, novembro 16, 2006

A Força da Água



No Outono e no Inverno, com a queda das primeiras chuvas, os rios e ribeiros enchem-se de água e transmitem-nos a sua verdadeira força e plenitude. Os seus leitos adquirem uma correnteza pouco habitual, que promete levar tudo aquilo que lhe surge à frente, inclusive nós.
A água sempre exerceu, e exerce, um fascínio especial para as crianças. Lembro-me de brincar, com o meu irmão e outros amigos de infância, junto a pequenos ribeiros transformados em rios com a queda das chuvas. Uma das brincadeiras era atirar objectos (normalmente paus e pedaços de canas que flutuavam, mas também barcos construídos de cascalho e até de papel - muito pouco resistentes...) para o seu leito, com os quais fazíamos corridas, a ver quem é que chegava primeiro a determinado local...
Não medíamos o perigo, como convém nestas coisas, mas também não me lembro de ver ninguém ser levado pela correnteza das águas.
Esta brincadeira também chegou a ser transposta para a ponte do Rio Salir que passa na minha aldeia. Atirávamos objectos para a água de um dos lados da ponte e depois corríamos para o outro lado para ver qual chegava primeiro...
Era uma aventura ainda mais perigosa, porque atravessávamos a estrada sem olharmos atentamente, se vinha algum carro, embora nesse tempo existissem poucos automóveis nas redondezas...
Estas brincadeiras de criança, não se podem, de maneira nenhuma, aproximar da irresponsabilidade dos adultos, que constroem as suas casas demasiado próximas dos leitos dos rios, acabando vitimas da força das águas, especialmente em anos de muita chuva...
Este texto está ilustrado com a "Ponte de Guifões", um óleo de António Ramalho, pintor contemporâneo de Malhoa.

segunda-feira, novembro 13, 2006

A Matança do Porco


Uma das aventuras memoráveis de Salir de Matos, a minha aldeia, era a «matança do porco», normalmente, um bicho enorme que metia respeito.
Antes de termos idade para descer para o palco onde se desenrolava o espectáculo, eu e o meu irmão, assistíamos àquele ritual emotivo, debruçados no muro do pátio.
Consigo vislumbrar, passo a passo, toda a acção. Primeiro enlaçavam-lhe uma das patas, depois desequilibravam-no, para de seguida agarrarem-no em peso e colocarem-no em cima de uma bancada de madeira, previamente preparada para a «festa» da matança. Meia dúzia de homens seguravam-no numa roda viva, perante a sua chiadeira interminável. Atavam-lhe a boca, para o porco não ter o capricho final de morder em alguém, e depois, o avô dava o golpe final, espetando-lhe uma espécie de espada, próximo do cachaço, certeira, para lhe evitar mais sofrimento e para que sangrasse.
O próximo acto era a «queima do pelo». Completamente embrulhado em caruma e molhos de vides, lançavam-lhe fogo deixando-o todo chamuscado. De seguida, lavavam-no e raspavam-lhe o pelo com navalhas e bocados de telha, até ficar, branquinho.
Após esta operação quase de cosmética, o bicho era levantado em peso e pendurado na adega, onde era aberto ao meio, tendo como «rede» um alguidar enorme, usado para aproveitar o sangue para os enchidos.
Hoje compreendo o porquê da criação do porco em quase todas as famílias, por mais modestas que fossem. Há um aproveitamento quase total de tudo o que compõe o seu corpo, desde o toucinho aos enchidos, passando pelos vários tipos de carne.


Escolhi para ilustrar este texto uma iluminura do Livro de Horas de D. Manuel I, do século XVI.



sábado, novembro 11, 2006

São Martinho



O dia de São Martinho é tradicionalmente uma data festiva, com a realização de magustos um pouco por todo o país. As castanhas assadas costumam ser regadas com água pé caseira, num ambiente de alegria, ao qual não falta música, conversas e até anedotas, pela noite fora.
Ainda hoje é assim...

Escolhi para ilustrar este pequeno texto o famoso quadro de José Malhoa “Os
Bêbados”, também conhecido por “Festejando o São Martinho”.

quinta-feira, novembro 09, 2006

As Estórias do Avô



Uma das coisas inesquecíveis da minha infância foram as estórias com cheiro a lenda que o avô nos contava, deixando-nos deliciados a ouvi-lo, sentados na escada de cimento que dava para a casa de fora, ao lado do forno.
Havia um pouco de tudo, desde cobras voadoras que sobrevoavam as fazendas, ao homem que aparecia dentro da lua, quando ela estava completamente cheia, com um molho de vides às costas. Segundo o avô, tratava-se de um sujeito que tinha sido apanhado a trabalhar ao domingo e acabou por ser transportado para a Lua pelo Deus dos cristãos, para que servisse de exemplo aos homens da terra de que era proibido trabalhar ao domingo, dia santo.
Geralmente, estas conversas eram interrompidas pela avó, que tinha um jeito especial para quebrar todo aquele ambiente de magia, criado à volta do avô.
Ela nunca percebeu a importância das estórias e lendas na vida das crianças, sempre foi, exageradamente, real.
E claro que também havia ali um pouco de ciúme, compreensível...



A foto que ilustra este texto é dos meus avós maternos, Manuel e Henriqueta, com os netos (falta o João, que ainda não tinha chegado de "França", no bico de uma Cegonha...).

terça-feira, novembro 07, 2006

Quando se Vivia sem Dinheiro...



Claro que há algum exagero neste título.
Mas se recuarmos no tempo (penso que cinquenta anos bastam), descobrimos um país rural, em que na maior parte das aldeias, muitas das transações eram feitas troca por troca. Ou seja trocava-se um quilo de batatas por meio quilo de maças.
Eu já tinha falado anteriormente neste sistema de trocas em relação à farinha moida nos moinhos, que era trocada pela matéria prima (grãos de trigo e milho).
Foi por isso que escolhi a fotografia do francês Jean Dieuzaide, "Estrada de Mafra", para ilustrar este texto. Como podem ver é uma imagem tipicamente saloia, onde se vê o Moinho a trabalhar com a ajuda do vento, uma senhora carregada com uma canastra e um aldeão montado no seu burrito, provavelmente a caminho de casa...

domingo, novembro 05, 2006

A Cor dos Dias



Nas últimas semanas o estado do tempo tem estado completamente irregular.
O azul dos dias solarentos tem alternado com o cinzento dos dias chuvosos. Mas tem sido tudo muito excessivo. As temperaturas demasiado altas para esta época têm feito o contraponto com a queda de grandes chuvadas, que têm provocado inundações de Norte a Sul, algumas das quais em lugares pouco habituados a tanta água...
Percebe-se que as nossas divisões climáticas em quatro estações distintas, começam a ficar confusas e a pedir alguns ajustamentos, pelo menos no seu início e fim...
Claro que estas alterações não são de hoje, embora sejam mais notórias nos últimos anos, porque as agressões à natureza têm sido de uma barbaridade extrema, em algumas partes do nosso Planeta (a destruição da floresta da Amazónia é um dos melhores exemplos), em nome do nosso conforto, do progresso dos países e do lucro do grande capital.
Lembro-me de ouvir o meu avô dizer que, desde que o homem foi à Lua, as coisas nunca mais foram iguais nos campos. Ele já notava algumas variações na época das sementeiras e das colheitas, com os prejuizos inevitáveis...
Claro que eu não vou tão longe.
Este texto está ilustrado com o óleo, "Inundação da Ribeira de Santarém", de José Malhoa.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Que Saudades do Pão da Avó...



Hoje, sem saber explicar muito bem porquê, lembrei-me de uma coisa maravilhosa: da minha avó a cozer pão no forno. Pão que tinha aquele gosto especial, que não conseguimos encontrar nas várias imitações do pão caseiro, que se vão vendendo por aí.
A própria farinha ainda vinha dos moinhos de vento, através de um processo de troca por troca, que já não existe. O avô trocava alguns alqueires de trigo por sacos de farinha já moída.
A avó fazia sempre umas brandeiras (pãozinhos pequenos) que partia a meio e polvilhava com açúcar amarelo quando ainda estavam quentes e que ficava imediatamente derretido no pão e era uma delícia...
Mas havia mais. Comer o pão ainda quente com manteiga, que também ficava completamente derretida, era outra delícia...
Tenho saudades do cheiro da lenha, de ver a minha avó de volta do forno com um pano branco a cobrir-lhe a cabeça, com aquela espécie de pá com que tirava o pão (à Padeira de Aljubarrota), quando já estava bem cozido, nas mãos... e de ficar alí, à volta do forno, à espera do meu "bolo", juntamente com o meu irmão e os primos...
Às vezes a avó até deixava que fossemos nós a fazer o nosso pequeno pão, com aquela massa de farinha, que se colava aos dedos...
Infelizmente nessa altura não se tiravam muitos retratos, pelo que não tenho qualquer fotografia deste episódio tão memorável. Para ilustrar estas palavras socorri-me de uma imagem de Jean Dieuzaide, um fotógrafo francês que nos visitou nos anos cinquenta e deixou excelentes fotografias do Portugal de então.

segunda-feira, outubro 30, 2006

"Católicos e Política" é Mais que um Livro...



"Católicos e Política" representa muito mais que um livro, para mim.
Ele marca o meu primeiro contacto com um país onde existiam demasiadas coisas proíbidas, como um simples livro...
Os meus pais guardavam-no num armário alto, misturado com roupas e trapos (num tempo em que se guardavam os trapos velhos...). Só saía de lá, quando era emprestado a alguém de muita confiança.
Havia bastante secretismo e muito cuidado a volta deste livro, e até medo. Este medo estava mais relacionado com os outros (as autoridades e afins, onde se incluiam os bufos da PIDE), que com o seu conteúdo. Estou a falar apenas de uma colectânea de textos escritos por católicos progressistas (merecem realce algumas cartas enviadas a Salazar), editado e apresentado pelo padre José Felicidade Alves.
Transcrevo apenas o primeiro parágrafo da sua apresentação: «Mais dia menos dia terá de se fazer a história crítica destes últimos anos da vida política portuguesa; e não deixará de ter lugar de relevo a presença ou ausência dos católicos na vida política, assim como a posição negativa ou positiva dos hierarcas e das estruturas clericais no funcionamento do sistema.»
Não sei porquê, mas a vida e obra do Padre Felicidade Alves tem passado completamente despercebida no Concelho das Caldas da Rainha. Penso que não existe qualquer artéria com o seu nome, nem mesmo em Salir de Matos, de onde é natural (ao contrário do que acontece nos concelhos de Oeiras e Lisboa), embora seja, sem margem de dúvida, a pessoa mais importante nascida nesta Freguesia, ao longo do século vinte.
O autor, infelizmente já desaparecido, foi a primeira pessoa da minha família a estar ligada ao mundo dos livros. Eu sou o segundo...
Quando saí das Caldas para a grande Capital, fui viver com ele e com a Elisete, sua esposa. Ainda hoje recordo esses momentos, com grande ternura e companheirismo.
Prometo voltar a falar do padre Zé, um dia destes...

sexta-feira, outubro 27, 2006

Romeu Correia Recordado nas Caldas



O cinquentenário da fundação do Conjunto Cénico Caldense foi motivo para uma série de actividades culturais, com o objectivo de recordar alguns dos melhores momentos desta colectividade artística. Uma destas actividades foi uma exposição bio-bibliográfica, no histórico e renovado Café Central das Caldas da Rainha.
Nesta exposição encontrei uma pequena pérola: uma das vitrines prestava homenagem a Romeu Correia, o grande escritor e dramaturgo de Almada - cidade onde vivo -, com recortes da peça, o programa e também o livro “O Vagabundo das Mãos de Ouro”.
A peça foi representada nas Caldas da Rainha pelo CCC em 1968 (tinha apenas quatro anos...) e disseram-me que foi um sucesso na época...
Os anos sessenta foram os anos de ouro de Romeu como dramaturgo. As suas peças estiveram em cena de Norte a Sul, com dezenas de encenações, quer de companhias profissionais quer de grupos amadores (como foi o caso do CCC). Houve inclusive várias peças suas transmitidas na televisão.
Nas muitas conversas que travámos, Romeu confidenciou-me, mais que uma vez, que uma das suas mágoas foi ter sido muito mais vezes representado no tempo da ditadura (sempre com os olhos bem atentos dos censores...), que em plena democracia.


Agradeço desde já a amabilidade de Natacha Narciso e da "Gazeta das Caldas", que me cederam a imagem que ilustra esta crónica.

terça-feira, outubro 24, 2006

A Praça da Fruta



Tenho lido algumas opiniões sobre o futuro (quase sempre pouco risonho...) da Praça da Fruta, que foi durante largos anos um dos retratos mais pitorescos das Caldas da Rainha do século vinte, pelo menos para muitos turistas.
Parece-me claro, que o divórcio entre os vendedores e os compradores locais continua a crescer. Há várias razões, a principal, deverá ser o preço demasiado elevado dos legumes e frutas, quando comparados com o das várias superfícies comerciais existentes na cidade. Sei que a simpatia dos agricultores também já não é a mesma de há alguns anos a este parte. A maior parte destas pessoas "aburguesaram-se". Não o digo por terem substituido as suas carroças por carrinhas e jipes, para se fazerem transportar das aldeias vizinhas para a cidade, mas sim pela forma como atendem as pessoas. Perderam a simplicidade, a simpatia e até o jeito brejeiro de negociar os preços. Lembro-me muito bem de ir de mão dada com a minha mãe às praças da fruta e do peixe, e de assistir a autênticos espectáculos entre as vendedoras - principalmente as peixeiras - e as freguesas, em que todos os preços eram bem regateados, à boa maneira marroquina...
A própria qualidade dos produtos nem sempre é a melhor. Por vezes os agricultores tentam vender gato por lebre, ou seja, venderem produtos espanhóis, de segunda, como se fossem produzidos no Oeste. Espertezas muito pouco saloias...
Lembro-me que o meu avô também vinha vender alguns dos produtos que semeava à praça. A minha avó ficava sempre espantada pela rapidez com que ele vendia as coisas, chegando a casa, quase sempre a tempo de almoçar. Como não tinha alma de vendedor, acabava por vender as coisas ao preço pedido pelos clientes, despachando a mercadoria rapidamente, embora a margem de lucro não fosse muito elevada. Claro que o meu avô era um "amador" nestas coisas do comércio, por isso é que nunca enriqueceu.
Voltando à Praça da Fruta, tenho pena que se perca este mercado cheia de cor e vida, mas o tempo é mesmo assim: anda sem parar e muda sem avisar...
Sei que quando atravessar a Praça da República a meio da manhã e não sentir o bulício mercantil habitual, só me resta parar no tempo e ficar a olhar para dentro de uma das minhas janelas da memória, à procura de um sinal. Talvez encontre algumas pessoas a circularem, de um lado para o outro, com os olhos fixos na fruta e nos legumes das bancas e dos cestos, enebriadas pelo cheiro a campo...

sexta-feira, outubro 20, 2006

A Leitura de Jornais



Desde bastante cedo que me habituei a ler jornais.
Iniciei este hábito (ou vicio...) no começo da adolescência com a leitura de "A Bola", a chamada Biblia dos jornais, título que irritava e fazia "comichão" aos diários generalistas.
Os jornais dessa altura (anos setenta) eram bastante diferentes, quer no tamanho quer no conteúdo.
"A Bola" tinha a particularidade de ter na sua redacção um dos quintetos memoráveis do jornalismo português, Carlos Pinhão, Vitor Santos, Carlos Miranda, Alfredo Farinha e Homero Serpa. Habituei-me a ler as suas excelentes crónicas que ultrapassavam o universo futebolístico e eram grandes lições de prosa, em qualquer parte do mundo.
Mais tarde comecei a ler outros jornais, mas nunca fui tão fiel a nenhum deles, como fui ao trissemanário desportivo.
Uma das coisas da qual me orgulho, a nível profissional, em vários serviços por onde passei, foi arranjar maneira de comprarmos jornais diferentes, diariamente, de segunda a sexta. Além de ter fomentado a leitura também fomentava a diversidade. Recordo-me que o jornal que os meus companheiros menos gostavam de ler da lista, era o "Público" de sexta feira. Eu, antes pelo contrário, achava que era uma das nossas melhores escolhas...
Hoje continuo a ler jornais, embora deva confessar que já não os compro diariamente, graças às suas edições on-line. Claro que é dificil deixar o "papel", não é por acaso, que sempre que há um artigo que me interessa, vai de imprimir...
Uma das leituras que não dispenso é a "Gazeta das Caldas". Embora possa discordar de algumas opções editoriais, não tenho dúvidas que é um dos melhores jornais regionais que conheço e também a maneira mais acessível de saber como vão as coisas na minha cidade natal.
Nada melhor para ilustrar estas palavras, que o óleo, "Lendo o Jornal", de José Malhoa.

terça-feira, outubro 17, 2006

A Bela Lagoa de Óbidos


Sei que esta fotografia não é a mais apelativa, nem tão pouco retrata toda a grandeza da Lagoa de Óbidos...
Descobri esta paisagem deslumbrante ainda na infância, numa daquelas aventuras dignas de "os cinco", vividas com os amigos da meninice, o meu irmão, o Fernando, o Zé Luís, o Orlando e o Celestino.
Quando chegámos ao alto da Quinta do Negrelho, fiquei completamente deslumbrado com o que descobri, um mar de águas calmas e brilhantes, que ocupavam toda a paisagem, envolvida pelo verde dos pinhais e campos circundantes.
Nunca mais esqueci aquele miradouro natural, onde assisti, alguns anos mais tarde, ao pôr do sol, único.

sábado, outubro 14, 2006

O Cine-Teatro Pinheiro Chagas


O Cine-Teatro Pinheiro Chagas faz parte do meu imaginário infanto-juvenil. Foi a sala onde vi as primeiras sessões de cinema, através de clássicos inesquecíveis de Walt Disney, como a “Gata Borralheira” ou a “Branca de Neve e os Sete Anões”.
Depois da Revolução de Abril lembro-me de ter assistido a inúmeras matinés (penso que as entradas eram gratuitas...), onde foram projectados inúmeros filmes de animação e de aventuras.
Pouco tempo depois fechou para obras...
Acredito que nessa altura a maior parte dos caldenses pensavam que se tratava de um fecho temporário...
Mas a verdade é que nunca mais abriu as suas portas.
Começaram por destruir o seu interior, até que em 1992, o cinema histórico da antiga Praça do Peixe veio mesmo abaixo.
O processo de destruição do Pinheiro Chagas é muito parecido com o da Casa da Cultura - substituta do Casino do Parque, depois de Abril de 1974. Fecharam para obras, mas não voltaram a abrir as portas.
Foram dois dos maiores atentados à cultura da Cidade das Termas. O mais curioso, foi nunca ter visto ninguém explicar o que se passou de facto com estes dois encerramentos.
Continuo a pensar que estes encerramentos foram motivados por razões políticas. Especialmente a Casa da Cultura, cuja orientação cultural tinha uma matriz de esquerda, que contrariava a política conservadora do Município local.

terça-feira, outubro 10, 2006

Salir do Porto Desperta do Pesadelo


No domingo estive em Salir do Porto e fiquei bastante feliz por ver aquele lugar, onde cheguei a passar férias na infância, despertar de um pesadelo com vários anos. A falta de respeito pelas normas ambientais e a nossa fiscalização deficiente, conseguiram transformar um lugar aprazível numa espécie de esgoto a céu aberto.
Já é visível que as águas estão menos poluidas - embora ainda estejam distantes do ideal -, dando a sensação que as pecuárias e algumas localidades próximas, deixaram de utilizar as águas do Rio Salir para descarregar os seus dejectos imundos. Dejectos que tornaram um lugar agradável num espaço extremamente perigoso, para quem se banhasse nas suas águas.
O resultado desta irresponsabilidade, que se prolongou tempo demais (e contou, infelizmente, com a passividade dos responsáveis locais), traduziu-se na perda de largos milhares de turistas nos últimos anos na região.
Gostei de passear na ponte de madeira - muito bem concebida -, que é mais que uma passagem, pois também acaba por ser uma ligação à bonita Baía de São Martinho do Porto.

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Conjunto Cénico Caldense



Sempre me lembro de ouvir falar do Conjunto Cénico Caldense como uma Associação completamente inovadora na Cidade das Termas.
Quando era mais pequenote, cheguei a pensar que se tratava simplesmente de um conjunto musical (iludido pelo nome...), daqueles que animavam os bailes das colectividades.
Alguns anos mais tarde descobri que o CCC tinha sido uma verdadeira colectividade cultural das Caldas da Rainha, que além do seu excelente grupo teatral, possuía uma mão cheia de animadores que promoviam tertúlias literárias, saraus musicais, exposições artísticas e evocativas, sessões de cinema, entre outras actividades de âmbito cultural e associativo.
Gostei bastante de ler o Caderno Especial que a “Gazeta das Caldas” lhe dedica esta semana, com vários testemunhos, todos elucidativos do que foi a vida do CCC. Os recortes que ilustram as páginas são a melhor prova da sua diversidade artística.
Depois de folhear e ler este suplemento, fiquei com a sensação de que as Caldas da Rainha tinham muito mais dinamismo cultural nos anos cinquenta, sessenta e setenta, que na actualidade.
Lamento que o CCC tenha sido engolido pelo calor da Revolução de Abril... e que não tenha tido um único substituto à altura, nos últimos trinta anos.
Assim como lamento o que fizeram à Casa da Cultura e ao Cine-Teatro Pinheiro Chagas.
Quando misturam política com cultura, a Cultura fica sempre a perder... porque será?
Prometo voltar a estas duas instituições, um dia destes, sobre as quais continua a existir um silêncio, quase absurdo.

quinta-feira, outubro 05, 2006

A Possibilidade Para Tudo



"The Possibility of Everything" ou "A Possibilidade Para Tudo" é o nome da Exposição Antológica (1989 - 1994) de João Paulo Feliciano, patente na Culturgest, em Lisboa.
O título desta mostra de arte diz quase tudo e retrata o percurso pluralista deste caldense no mundo artístico, com passagens pela pintura, escultura, música, design, multimédia e arquitectura. Ninguém diria que a sua formação é de Línguas e Literaturas Modernas.
João Paulo Feliciano não é um nome estranho para mim. Embora não troquemos qualquer palavra há mais de vinte anos, fomos colegas nos bancos de escola (não me recordo se desde o ciclo preparatório, ou apenas na secundária...) do antigo Liceu, mais tarde baptizado Escola Secundária Raul Proença.
Lembro-me que o João Paulo era bastante expansivo, inventivo e até um pouco excêntrico (as ideias já fervilhavam na sua cabeça...), além de ser bom aluno e companheiro...
Enquanto escrevo estou a recordar-me de algumas peripécias e também de alguns amigos com o Paulo Gaspar, o Zé da Silva, o Vitor "Cenoura", a Orlanda, a Paula Barreto, o Paulo Lemos, o Jorge Bandeira Duarte, o Luís Borga, o João Buiça, a Cristina Aleixo (os últimos cinco mais próximos do João Paulo). É curioso, normalmente somos conhecidos apenas por um nome, o apelido, mas ele já era conhecido entre nós como João Paulo Feliciano.
Acompanhei pela comunicação social as suas incursões musicais em grupos como os "Tina & The Top Ten", os "No Noise Reduction" e também os "Pop Dell'Arte". Nunca tive a curiosidade de assistir a qualquer espectáculo destas bandas porque o seu estilo musical dizia-me e diz-me pouco.
Posteriormente li algumas entrevistas suas, como artista plástico, pouco entusiasmado com a contemporaneidade da sua arte e com as suas ideias (ainda hoje o manuseamento dos seus objectos, como arte, diz-me muito pouco). Ninguém é perfeito...
Soube pelos jornais que era um dos responsáveis pelo excelente espectáculo nocturno "Acqua Matrix" da Expo 98, que tive a felicidade de ver no Tejo.
Ah, é verdade, estive na Culturgest...
Pois, senti-me estúpido. O defeito deve ser meu, devo ter pouca sensibilidade para a sua originalidade artistica.
Apesar de tudo, achei importante falar deste artista caldense de renome internacional, com passagens afirmativas pelos EUA, Brasil e Europa, que teve a particularidade de ser da minha turma, há uns anos que já lá vão...

segunda-feira, outubro 02, 2006

A Outra Janela



Escolhi esta janela pintada por Pierre Bonnard (1867 - 1947) para ilustrar este meu pequeno apontamento, sobre outra janela, porque a achei irresistível...
Devo começar por dizer, que sempre gostei de janelas debruçadas para o Mundo.
Quando vim viver para Cacilhas, houve um pormenor decisivo na escolha da minha casa: a janela da sala, com vista para o Tejo.
Hoje, quando começou a chover, recordei-me da minha primeira janela especial, a da sala da casa onde vivi a minha infância, no Bairro dos Arneiros. Foi lá que aprendi a olhar para as coisas, com olhos de ver.
Passava horas entretido a brincar com os meus carrinhos, no parapeito da janela, enquanto olhava para a chuva que caia na rua...
Ficava deliciado a ver a Rua 26 transformar-se num grande lamaçal, quase intransitável. Sorria ao ver os transeuntes circularem aos ziguezagues, tentando escapar das poças de água. De vez em quanto lá surgia um carro, preparado para dar um banho de água castanha a quem não se precavia. O meu sorriso transformava-se numa gargalhada sempre que isto acontecia, porque nós crianças, adoramos estas cenas "maléficas", dignas de qualquer um filme tragico-cómico.
Nesta altura o alcatrão ainda era um miragem, pelo menos nos bairros limitrofes da Cidade das Termas...

sábado, setembro 30, 2006

Nomes de Guerra



Um das aspectos mais curiosos no futebol é a forma como alguns “nomes de guerra” ficam para a história, sendo usados de formas diferentes, e tantas vezes, sem explicação aparente.
Por exemplo, um dos casos que nunca percebi, foi porque razão deram a alcunha de “Garrincha” a um jogador do Caldas, dos anos setenta, sem grande talento futebolístico e sem qualquer parecença física com o grande fantasista brasileiro. Ao contrário do verdadeiro Garrincha, que adorava andar com a redondinha rente à relva, colada aos pés e sentar os adversários que lhe apareciam pela frente, este era um jogador defensivo e adepto do chuto para o ar.
Um dos jogadores mais “famosos” do meu bairro, além de ser meu homónimo, também era conhecido na gíria futebolística como “Pélé”. Este “nome de guerra” assentava-lhe bem, porque, apesar de ter a pele clara, era o melhor jogador do Bairro dos Arneiros. Fez parte de uma grande equipa de juvenis do Caldas, onde também pontificava o Vital, um grande avançado centro, que foi pescado para as camadas jovens do Benfica e marcou centenas de golos ao longo da sua carreira. Carreira essa que teve como ponto alto os títulos de Campeão Nacional conquistados no Futebol Clube do Porto do Senhor José Maria Pedroto e a chamada à selecção A.
Curiosamente, uma das únicas alcunhas que tive no futebol, foi colocada pelo “Pélé”, o tal craque do meu bairro, num dos primeiros jogos que fiz num pelado a sério (O campo de futebol de onze do F.C. das Caldas). Devia ter uns doze anos e fui convidado para jogar, misturado com rapazotes entre os quinze e os dezassete anos. Em vez de me assustar com a sua envergadura física, jogava de igual para igual com eles, embrulhando-me nas suas canelas e conseguindo tirar-lhes a bola... deixando-os furibundos. O “Pélé”, além de me proteger dos “maus fígados” dos adversários, apelidou-me de “Esgravulha Batata”. Claro que foi uma alcunha de um só dia...
Mas os “nomes de guerra” valem o que valem... não me esqueço de um vizinho baixinho e quase quadrado, que continua a ser conhecido nas redondezas por “Maradona”... e este cognome, deve-se apenas às parecenças físicas (altura e peso...) e não ao talento futebolístico...

terça-feira, setembro 26, 2006

A Linha do Oeste



O comboio é o melhor transporte do mundo.
Sei que esta frase pode parecer excessiva, mas não é, pelo menos para mim.
Há pelo menos três razões, que me fazem escolher os caminhos de ferro como o meio de transporte ideal: é o único meio de transporte que permite andar de um lado para o outro, livremente, desde a primeira até à última carruagem; é o único lugar que oferece uma visão da paisagem em ângulos mais próximos, mais variados e contemplativos (como devem calcular não estou a pensar nos TGV...); e fundamentalmente, porque são o melhor transporte para ler um livro, uma revista ou um jornal, pela sua estabilidade.
Durante quase duas décadas anos viajei regularmente na Linha do Oeste. Só deixei de o fazer no final da década de noventa, por entender que os horários eram cada vez mais absurdos (fiquei sempre com a sensação que a CP me estava a lançar um convite para utilizar outro transporte qualquer...), e também porque o nascimento dos meus filhos "obrigou-me" a render à comodidade do automóvel...

Outra coisa boa das viagens de comboio era contacto com as pessoas. Havia sempre a possibilidade de encontrarmos alguém conhecido e colocarmos a conversa em dia, partilhando as mudanças normais das nossas vidas, encurtando a viagem...

Tenho acompanhado com algum distanciamento a quase "morte anunciada" da Linha do Oeste, pela ausência de investimentos do Estado e também pelo desinteresse dos autarcas da Região, mais motivados com os negócios do alcatrão e do cimento, que na transformação da linha num espaço mais funcional e acessível para os utentes habituais, e sobretudo mais atractivo para os visitantes.
Sei que promessas e projectos não têm faltado ao longo dos anos, o difícil é sairem do papel...
A fotografia que ilustra este texto mostra a estação das Caldas da Rainha na actualidade, onde, felizmente, ainda imperam os bonitos azulejos azuis que retratam, muito bem, os lugares mais atractivos do Concelho.

quinta-feira, setembro 21, 2006

A Importância das Palavras



Esta fotografia de José Águas a erguer a Taça dos Campeões Europeus tem um significado especial para mim. Vou mesmo mais longe, embora não esteja completamente certo disso, penso que é ela a grande responsável por ser benfiquista.
Sem saber explicar muito bem o porquê, sei que na minha meninice, ficava parado, deslumbrado, a olhar para esta imagem vitoriosa, pendurada na sala da casa de um dos meus vizinhos.
Claro que não estou aqui para falar do meu “benfiquismo”, que nunca foi muito doentio, nem mesmo na adolescência. Estou aqui sim, para salientar a importância das palavras que trocamos com os outros, mesmo sabendo que se vive num tempo, quase sem espaço para conversas, para lá do bom dia e boa tarde. A convivência nos lugares onde vivemos é o melhor exemplo do que acabo de dizer.
O que é facto, é que conversar continua a ser uma prática deliciosa. E quando o interlocutor é uma pessoa por quem sentimos empatia, somos capazes de estar horas e horas à conversa, sem dar qualquer espaço ao silêncio. Foi exactamente isso, que aconteceu na tarde de ontem, na esplanada de um pequeno café de Cacilhas.
O meu encontro com António Cagica Rapaz - um nome que é facilmente identificável por todos aqueles que acompanhavam o futebol na década de sessenta e princípio de setenta, pois pisou os nossos principais relvados com as camisolas da Académica, CUF e Belenenses. -, foi pretexto para uma conversa extremamente rica, sobre pessoas, lugares, livros, jornais, futebol, política, etc. Mas o melhor da conversa, foi falarmos de algumas pessoas que nos diziam muito, pelas mais variadas razões.
Um pequeno exemplo da nossa conversa, foi o “encontro” com dois extraordinários futebolistas, que se existir futebol no paraíso, continuam a marcar grandes golos. Estou a falar de Matateu e José Águas. Cagica complementou a ideia que eu tinha destes magos da bola, exímios na arte de meter golos, que por não serem do meu tempo, não me deram a felicidade de os puder ver jogar, ao vivo.
Matateu era um espectáculo dentro e fora dos relvados. A facilidade com que marcava golos e a sua alegria natural, faziam que tudo á sua volta se transformasse numa festa. Amava a boa vida e gostava de estar sempre com uma “fresquinha” nas mãos. Não tenho dúvidas que a sua vida poderia dar um grande filme, embora não existam actores com capacidade para fazerem de “Matateu”, dentro dos relvados...
José Águas foi um dos melhores jogadores portugueses a movimentar-se dentro de área e um dos avançados mais elegantes do nosso futebol. Ainda tive a felicidade de o conhecer, na minha actividade jornalística, e fiquei com a melhor das impressões.
Obrigado Cagica, pelas palavras, pelos livros e pela amizade...

sábado, setembro 16, 2006

As Vindimas



As vindimas foram a única actividade campestre que me manteve ligado à agricultura desde sempre.
Ainda hoje sinto que existe algo de mágico em toda este percurso artesanal, desde a apanha das uvas até à produção do vinho no lagar.
Nos primeiros anos a minha participação na “festa do vinho” não passava de uma brincadeira deliciosa, partilhada com o meu irmão e (pisar as uvas no lagar era, e é, uma brincadeira para qualquer criança...) permitida pelo avô, enquanto ainda se estavam a recolher as uvas...
As vinhas que pertenciam ao avô eram o Arneiro e o Vale da Moira. Nós só as percorríamos na época das vindimas, porque ficavam afastadas de casa dos avós, no meio de pinhais, por caminhos tortuosos.
Recordo que as viagens entre as vinhas e o lagar da família, com a queda das primeiras chuvas, tornavam-se numa grande aventura, principalmente para nós, crianças. O percurso pouco cuidado quase que colocava em risco as tinas carregadas de uvas e a integridade fisica das vacas, que ficavam com as patas completamente escondidas no meio do lamaçal, sem nunca desistirem de puxar o carro de bois, perante a ameaça do avô, que as picava com uma vara igual às que usavam os campinos nas lezírias.
O pai e os tios acompanhavam sempre o percurso mais acidentado, preparados para aliviar a carga e ajudar no que fosse necessário.
Depois de termos crescido um palmo, não falhávamos a apanha das uvas (primeiro com o balde depois com o caneco) e a produção do vinho (quer a pisar as uvas quer a fazer o “aperto”, no célebre “trec-larec” da máquina artesanal do lagar).
Lembro-me da cumplicidade, presente nos sorrisos do pai, dos tios e de nós dois, quando descobríamos a cara de satisfação do avô, depois de fazer a medição da graduação, por o vinho ter “alma forte", ou seja, mais de doze graus...

quarta-feira, setembro 13, 2006

As Ruas da Liberdade



Na minha infância as ruas eram um lugar sagrado para todas as crianças, porque era nestes espaços abertos, que nos encontrávamos, diariamente, para brincar.
As coisas eram muito mais simples... os carros eram uma raridade e a insegurança nas ruas nem sequer era tema de conversa nas casas, nos cafés e nas ruas. Isto acontecia porque nos bairros todos se conheciam e nada passava em claro à vizinhança.
Como os relógios andavam mais "devagar", as pessoas tinham mais tempo para conversar umas com as outras e para estarem à janela, a olhar para tudo aquilo que as rodeava.
Podiamos brincar a jogos simples como à apanhada, às escondidas ou a outros mais técnicos como o berlinde, as corridas com caricas ou ao futebol, o jogo mais popular entre a rapaziada. Sim, porque neste tempo o futebol não era coisa de mulheres...
Nestes jogos improvisados, qualquer coisa servia de baliza. Não existiam árbitros nem cronómetros, as partidas mudavam aos cinco e acabavam aos dez... e se houvesse tempo para mais, prolongavam-se, até chegarmos a resultados mais próximos de um jogo de andebol que de futebol...
Quase todos escolhiamos nomes de guerra. Não havia jogo que não tivesse um Eusébio, um Damas, um Simões, um Humberto, um Nené, um Artur, um Peres ou um Pavão (havia um miúdo do Norte, que era sempre o Pavão...). Eram estas as nossas "escolas" de futebol.
Depois de termos crescido um palmo e já nos acharmos suficientemente bons, formávamos equipas das nossas ruas e desafiávamos os "putos" da vizinhança para desafios empolgantes, quase num campeonato de bairro.
Recordo que a minha equipa, da Rua do Meio, era a mais macia e também a melhor tecnicamente. Era por isso que levávamos muita "porradinha", dentro e fora do campo. Por vezes éramos mesmo "corridos à pedrada", por adversários com mau perder.
Estes jogos já se jogavam em campos improvisados nos muitos espaços baldios (muitas vezes com balizas de madeira, quase a sério...) em redor dos bairros, ocupados posteriormente, de uma forma quase selvagem, pela construção desenfreada de um progresso, que roubou as ruas às crianças...
Hoje os nossos filhos crescem sem conhecer as "Ruas da Liberdade". Talvez esta seja uma das facturas mais "caras" e perniciosas do tal progresso...
(foto Eduardo Gageiro, in "Estas Crianças Aqui")

domingo, setembro 10, 2006

As Berlengas



O Arquipélago das Berlengas já é Reserva Natural Marinha há 25 anos...
Este conjunto de pequenas ilhas rochosas (Berlenga, Estelas e Farilhões) situado ao largo de Peniche, continua a despertar a curiosidade de muitos turistas. A Berlenga, por ser a única ilha cuja área permite que exista alguma ocupação humana, é naturalmente o centro de atenções.
A primeira vez que visitei a Berlenga (um ou dois anos antes de se criar a reserva...), ainda era possível passear no seu interior sem qualquer tipo de restrição. Embora tivesse sido uma visita de médico, ou seja, de um só dia, deu para saborear com entusiasmo as suas águas cristalinas e profundas, com várias sessões de mergulhos e banhos, nos seus pontos mais atractivos.
Na segunda visita (três, quatro anos depois...) as coisas tinham mudado...
Já não era possível passear livremente naquele espaço quase lunar. Havia várias áreas interditas, o passeio pelo interior da ilha fazia-se apenas pelos caminhos existentes, para não afectarmos o ecosistema local. Desta vez fiquei mais que um dia...
A estadia no parque de campismo fez com que pudesse assistir ao "canto nocturno" das gaivotas, idêntico ao choro de bebés, que como devem calcular, não é um grande embalo para o sono. Foi por isso que passámos parte da noite no pequeno areal da ilha, com a diversão nocturna possível, sem importunar os outros visitantes.
A fotografia que ilustra este texto mostra o Forte de S. João Baptista, erigido no final do século XVI, como fortificação militar. No começo da segunda metade do século XX o Ministério das Obras Públicas resolveu restaurar a fortaleza, depois de anos e anos de abandono, transformando-a numa luxuosa Pousada, que ainda hoje acolhe turistas de todos os cantos do mundo.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Rafael & Zé Povinho


A passagem de Rafael Bordalo Pinheiro pelas Caldas da Rainha, quase no final do século XIX, acabou por ter uma importância fulcral no desenvolvimento artístico da arte de trabalhar o barro na cidade.
Os seus múltiplos projectos artísticos deram luz à publicação de inúmeros jornais satíricos (desde o "Calcanhar de Aquiles", em 1870, à "Paródia", em 1900, publicou e colaborou em mais de uma dezena de publicações), mas também fizeram com que vivesse em permanentes embaraços financeiros.
Foi num desses momentos difíceis, em 1884, que Rafael decidiu partir para uma nova aventura estabelecendo-se na Cidade das Termas, com seu irmão Feliciano, criando uma Fábrica de Faianças.
Com o seu espírito inventivo desenvolveu um trabalho notável na fábrica, que funcionou como um dos primeiros centros de produção cerâmica modernos. Algumas das suas criações são autênticas obras de arte e estão expostas em inúmeros museus.
Claro que a sua costela satírica fez com que também desenvolvesse a famosa "loiça malandra", que ainda hoje é reconhecida e apreciada, um pouco por todo o lado...
Uma das figuras que rapidamente passou do papel para o barro foi o "Zé Povinho", talvez a sua criação artística mais feliz - popular é de certeza... -, que apareceu pela primeira vez nas páginas da "Lanterna Mágica", em 1875. Esta figura de barbas, chapéu, rosto rosado, calças remendadas e botas gastas, apareceu com o célebre manguito, nas peças em cerâmica, num claro "Ora Toma!", dirigido à monarquia decadente, não fosse Rafael um republicano convicto.
Esta figura de papel, que ainda hoje é usada para caracterizar o povo português, ao tornar-se tridimensional, tornou-se ainda mais popular e surgiu das formas mais alegres e jocosas, que se podiam criar na época.
É graças ao seu talento e à obra que nos deixou, que Rafael Bordalo Pinheiro permanece bem vivo entre nós, sendo uma figura incontornável da Arte do Oeste.

terça-feira, agosto 29, 2006

O Meu Primeiro Clube


O primeiro clube pela qual senti uma simpatia especial foi o Caldas Sport Clube, um histórico da minha cidade e de toda a Região Oeste.
Esta paixão natural foi alimentada pelo meu pai, que me levou pela primeira vez, pela mão, de visita ao Campo da Mata, quando devia ter uns cinco, seis anos.
Desde essa altura, nunca mais deixei de visitar a Mata da Rainha D. Leonor, para ver o clube alvinegro, esgrimir argumentos com os adversários. Só aos dezassete, dezoito anos é que me começei a afastar do Caldas e posteriormente também da cidade.
Os seus momentos de ouro tiveram lugar na década de cinquenta, quando esteve na primeira divisão (entre as épocas de 1955 e 1959) e eu ainda não tinha nascido. Pelo que tenho lido, foi uma equipa que deixou boas recordações na montra principal do futebol português, porque gostava de dar espectáculo. Jogava sempre para ganhar, em qualquer campo, apesar das suas limitações óbvias.
Uma das suas principais figuras era o António Pedro, um centro campista de grande classe, que só não foi internacional nos anos cinquenta, por jogar num pequeno clube.
Este sonho durou quatro épocas, depois, como tudo o que é bom, acabou... e o Caldas não conseguiu voltar à divisão maior, andou quase sempre pela segunda divisão (quando descia à III, onde se encontra agora, subia quase sempre na época seguinte).
Há uma expressão que se popularizou por todo o país, que deve ser desta época: «Estás arrumado como o Caldas.» Provavelmente da temporada em que o clube desceu de divisão.
Embora nunca fosse uma "águia", ainda joguei nas suas equipas de iniciados e juvenis.
Na equipa de iniciados tive como companheiro, entre outros amigos, o José Mourinho, esse mesmo o "Number One" do Mundo (Prometo voltar ao assunto, neste espaço).
Claro que nunca perdi o "meu clube" de vista. Mesmo hoje, continuo à procura dos seus resultados e da sua classificação nos jornais desportivos, e como é natural nestes casos, fico de "orelha murcha" com as suas derrotas e de "cara alegre" com as suas vitórias...

(Fotografia da autoria de José Neto Pereira, da época 1956/57)

sexta-feira, agosto 25, 2006

A Descoberta do Castelo de Óbidos


Uma das descobertas mais gratificantes da minha infância, em termos paisagisticos e históricos, foi o Castelo de Óbidos.
Devia ter seis, sete anos na época.
A televisão sempre transmitiu séries que despertavam o entusiasmo e o interesse pela aventura na miudagem. Era comum partirmos em grupo, à procura de coisas que escapavam à banalidade dos nossos dias. Nessa época ainda pensávamos que existiam "tesouros" à nossa espera, em lugares especiais e misteriosos.
Houve então alguém que sugeriu que deviamos visitar o Castelo de Óbidos.
Como devem calcular, a viagem foi marcada com pompa e circunstância.
Munidos de mochilas, com os apetrechos que víamos nos filmes - cordas, navalhas, lanternas, etc - ai fomos nós, pelos pinhais fora. Recordo que houve alguém que disse que o caminho mais rápido, na direcção do Castelo, era seguir a linha do comboio. Concordámos em utilizar o caminho de ferro como referência, mas à distância. Estavámos fartos de ouvir falar de histórias de pessoas que ficavam debaixo das máquinas dos comboios, porque estas eram de tal maneira poderosas, que conseguiam sugar as pessoas que estavam por perto.
Algumas destas histórias que os adultos nos ofereciam, para termos cuidado com o mundo que nos rodeava, acabavam por surtir efeito.
Uns quilómetros mais à frente, descobrimos, finalmente, o Castelo.
Apesar de ainda estar distante, olhar aquele monumento imponente, daquele sitio alto, foi uma coisa fantástica para todos nós.
Acabámos por voltar para trás, felizes, por termos descoberto, que o Castelo de Óbidos existia mesmo, e era uma coisa enorme, construida em cima de um monte, para evitar a visita dos inimigos.
A viagem até às suas muralhas, acabou por ficar adiada para outro dia...