terça-feira, agosto 29, 2006

O Meu Primeiro Clube


O primeiro clube pela qual senti uma simpatia especial foi o Caldas Sport Clube, um histórico da minha cidade e de toda a Região Oeste.
Esta paixão natural foi alimentada pelo meu pai, que me levou pela primeira vez, pela mão, de visita ao Campo da Mata, quando devia ter uns cinco, seis anos.
Desde essa altura, nunca mais deixei de visitar a Mata da Rainha D. Leonor, para ver o clube alvinegro, esgrimir argumentos com os adversários. Só aos dezassete, dezoito anos é que me começei a afastar do Caldas e posteriormente também da cidade.
Os seus momentos de ouro tiveram lugar na década de cinquenta, quando esteve na primeira divisão (entre as épocas de 1955 e 1959) e eu ainda não tinha nascido. Pelo que tenho lido, foi uma equipa que deixou boas recordações na montra principal do futebol português, porque gostava de dar espectáculo. Jogava sempre para ganhar, em qualquer campo, apesar das suas limitações óbvias.
Uma das suas principais figuras era o António Pedro, um centro campista de grande classe, que só não foi internacional nos anos cinquenta, por jogar num pequeno clube.
Este sonho durou quatro épocas, depois, como tudo o que é bom, acabou... e o Caldas não conseguiu voltar à divisão maior, andou quase sempre pela segunda divisão (quando descia à III, onde se encontra agora, subia quase sempre na época seguinte).
Há uma expressão que se popularizou por todo o país, que deve ser desta época: «Estás arrumado como o Caldas.» Provavelmente da temporada em que o clube desceu de divisão.
Embora nunca fosse uma "águia", ainda joguei nas suas equipas de iniciados e juvenis.
Na equipa de iniciados tive como companheiro, entre outros amigos, o José Mourinho, esse mesmo o "Number One" do Mundo (Prometo voltar ao assunto, neste espaço).
Claro que nunca perdi o "meu clube" de vista. Mesmo hoje, continuo à procura dos seus resultados e da sua classificação nos jornais desportivos, e como é natural nestes casos, fico de "orelha murcha" com as suas derrotas e de "cara alegre" com as suas vitórias...

(Fotografia da autoria de José Neto Pereira, da época 1956/57)

sexta-feira, agosto 25, 2006

A Descoberta do Castelo de Óbidos


Uma das descobertas mais gratificantes da minha infância, em termos paisagisticos e históricos, foi o Castelo de Óbidos.
Devia ter seis, sete anos na época.
A televisão sempre transmitiu séries que despertavam o entusiasmo e o interesse pela aventura na miudagem. Era comum partirmos em grupo, à procura de coisas que escapavam à banalidade dos nossos dias. Nessa época ainda pensávamos que existiam "tesouros" à nossa espera, em lugares especiais e misteriosos.
Houve então alguém que sugeriu que deviamos visitar o Castelo de Óbidos.
Como devem calcular, a viagem foi marcada com pompa e circunstância.
Munidos de mochilas, com os apetrechos que víamos nos filmes - cordas, navalhas, lanternas, etc - ai fomos nós, pelos pinhais fora. Recordo que houve alguém que disse que o caminho mais rápido, na direcção do Castelo, era seguir a linha do comboio. Concordámos em utilizar o caminho de ferro como referência, mas à distância. Estavámos fartos de ouvir falar de histórias de pessoas que ficavam debaixo das máquinas dos comboios, porque estas eram de tal maneira poderosas, que conseguiam sugar as pessoas que estavam por perto.
Algumas destas histórias que os adultos nos ofereciam, para termos cuidado com o mundo que nos rodeava, acabavam por surtir efeito.
Uns quilómetros mais à frente, descobrimos, finalmente, o Castelo.
Apesar de ainda estar distante, olhar aquele monumento imponente, daquele sitio alto, foi uma coisa fantástica para todos nós.
Acabámos por voltar para trás, felizes, por termos descoberto, que o Castelo de Óbidos existia mesmo, e era uma coisa enorme, construida em cima de um monte, para evitar a visita dos inimigos.
A viagem até às suas muralhas, acabou por ficar adiada para outro dia...

terça-feira, agosto 22, 2006

Férias no Campo


Nos meus primeiros anos de vida a parte maior das férias grandes eram passadas em Salir de Matos, na casa dos meus avós maternos.
Recordo-me que na época não morria de amores pela vida do campo. Quando o avô dava algumas explicações sobre as leis da natureza, era costume fazer ouvidos de mercador.
O avô era um pequeno agricultor a tempo inteiro. Conseguia sobreviver sem dividas, graças a uma gestão muito cuidadosa e a uma vida cheia de trabalho, do nascer ao pôr do sol. Comercializava o vinho, a fruta e a maior parte dos produtos hortícolas que eram cultivados na meia dúzia de fazendas que possuía, ao longo do ano inteiro.
Nos dias longos e quentes de Verão, eu e o meu irmão passávamos parte dos dias na sua companhia, a inventar brincadeiras, de fazenda em fazenda. O fim da tarde era a parte do dia mais agradável, por ser a altura da rega.
Todas as crianças gostam de brincar com água. Nós não éramos excepção...
A Ambrósia e a Várzea eram visitadas diariamente, porque era aí que o avô plantava as novidades, ou seja: tomates, pepinos, pimentos, feijão verde, melancias e melões.
A vista da Ambrósia era extraordinária. No alto das encostas sobranceiras, que se perdiam de vista entre os montes e vales que traçavam uma espécie de linha do horizonte, encontravam-se meia dúzia de moinhos que ainda tinham velas. Rodavam com a força do vento e ainda deviam produzir farinha, depois de esmagarem o trigo, o milho e o centeio.
Na sua baixa existiam dois poços de areia, que depois de serem despejados na rega, não precisavam de muitas horas para voltarem a ficar repletos de água.
O avô regava a horta, ora com o motor ora com o cabaço, criando carreiros, de forma quase labiríntica, que se enchiam de água, sempre em movimento, como se fossem rios. O grande atractivo deste “festim” eram os regos do feijão verde, que encantavam qualquer criança, com as suas canas a quererem furar o céu, atadas na forma triangular das tendas dos índios do “outro oeste”. Quando o feijão já trepava até ao alto das canas e ficava cheio de folhas, eu e o meu irmão aproveitávamos para brincar às escondidas. De quando em vez lá ouvíamos uma reprimenda do avô. Traídos pelo entusiasmo da brincadeira, pisávamos, invariavelmente, as plantas e alguns frutos...

sábado, agosto 19, 2006

A Minha Canção do Mar



Quase todos nós temos uma Canção do Mar, povoada de imagens memoráveis que conseguem dar cor e som aos nossos melhores dias passados, rente ao Oceano.
Embora a minha canção esteja sempre presente em qualquer pedaço do Atlântico, ganha uma sonoridade mais límpida e esfuziante rente às águas mexidas, que beijam com ardor o areal da Foz do Arelho, a praia da minha vida.
E pensar que, com apenas cinco anos, fui atirado para as águas geladas da praia da Foz do Arelho por um vizinho anormal, juntamente com o seu filho, meu amigo de infância, numa manhã longínqua, completamente cerrada pelo nevoeiro matinal que tomava conta das praias situadas a norte do Cabo Carvoeiro, com demasiada frequência.
Estes episódios estúpidos acabam, muitas vezes, por marcar para sempre a nossa relação com o mar. Felizmente consegui dar um passo em frente e ultrapassar esse primeiro contratempo, graças a uma meninice cheia de traquinices à beira mar.
Deve ser por isso que as imagens projectadas na minha Canção do Mar têm como personagens uma mão cheia de amigos de infância, e não há vestígios de gente «tamanho grande».
O facto de ter um irmão dois anos mais velho, fez-me crescer um palmo e partilhar, precocemente, as mil e uma aventuras vividas no começo de adolescência pelo seu grupo de amigos.
Formávamos, diariamente, um cordão de bicicletas nas margens da estrada perigosa da Foz, sem medir os perigos de quatro rodas que passavam por nós, a várias velocidades.
As nossas férias prolongavam-se de Junho a Setembro. Chegávamos antes das barracas de pano branco, alugadas à quinzena, e despediam-nos depois de as recolherem, com a sensação feliz de que a praia era nossa.
Atrás daquele mar delicioso ficava a bela Lagoa de Óbidos, onde, quase todos aprendemos a nadar, sem mestre. Contávamos apenas com o auxilio precioso dos mais velhos, atentos às picardias que nos faziam emergir até à superfície sinónimos de «maricas», à espera que ganhássemos a coragem necessária para desafiarmos as zonas onde se perdia o «pé»...
Nos dias que o nevoeiro cobria a praia de cinzento, oferecendo-nos uma aragem húmida e salgada, sentava-me na areia, com o olhar preso às ondas indomáveis que deitavam sons de liberdade e rebeldia para quem as quisesse escutar, aprendendo a soletrar a bonita canção do mar.
Era quase sempre «acordado» pelos meus companheiros que já tinham desencantado uma bola e estavam preparados para fazer valer os seus atributos de futebolistas de praia.
Pelo caminho ficaram alguns amores que o vento quente e as águas calmas de Verão, não deram grandes margens no prazo de validade. Sobra a saudade dos banhos de mão dada, dos beijos salgados, num tempo de inocência em que o sexo era quase uma miragem na adolescência...
Por vezes penso que já não sei toda a bonita letra e música da “Canção do Mar”, por me sentar cada vez menos à beira mar a ouvir, encantado, o melhor hino que conheço à liberdade...
Mesmo que esteja na Costa de Caparica, consigo voltar ao meu mar alto da Foz do Arelho... e reencontrar a criança feliz que fintava as ondas e atirava seixos grandes e alguns pedaços de madeira, deitados borda fora, às águas agitadas da praia da minha vida...

quinta-feira, agosto 17, 2006

O Lavadouro


A "Clara", pintada segundo o olhar especial do meu querido conterrâneo, José Malhoa, foi o ponto de partida para uma pequena viagem pelo lavadouro público de Salir de Matos.
Visitei este espaço povoado de mulheres, várias vezes, na companhia da avó Henriqueta e do meu irmão, provavelmente para a ajudarmos no transporte da roupa, pois este ainda ficava distante de casa.
O lavadouro estava erguido junto a uma mina de água e possuia dois tanques de água corrente, um para a lavagem de roupa e outro para a sua passagem. Ficava envolvido por pinhais, para onde eu e o meu irmão éramos enviados, sempre que a conversa entre as mulheres aquecia e aquele espaço era invadido por palavras proibidas, pelo menos para os ouvidos de duas crianças.
Claro que muitas vezes ficávamos à escuta. Sorríamos um para o outro, enquanto escutávamos algumas estórias picantes que enriqueciam o nosso vocabulário...
Há quem diga, que as mulheres quando estão juntas são piores que os homens, no vernáculo que utilizam. Não partilho dessa opinião. São sim, melhores lavadouras de "roupa suja". Falam de tudo com mais pormenores e até intimidade. E se pensarmos que aquele lugar até se prestava para esse fim...
Num tempo em que as máquinas de lavar eram um luxo, mesmo nas cidades, sobra a memória de ver a avó a caminhar com as mãos na cintura e um alguidar cheio de roupa à cabeça, num equilíbrio digno de qualquer circo.
De certeza que aquele peso era aliviado pelo seu pensamento, ainda preso, às histórias de escárnio e mal dizer, soltas no lavadouro, pela língua comprida de algumas mulheres.

terça-feira, agosto 15, 2006

A Feira de 15 de Agosto


A Feira Anual de 15 de Agosto decorria durante pelo menos uma semana e era o acontecimento mais importante das Caldas da Rainha, nos já longínquos anos sessenta. As suas tendas de comércio e diversão eram um autêntico centro comercial ambulante, cheio de atractivos para miúdos e graúdos.
Normalmente nesta época recebíamos a visita dos meus tios de Lisboa. Eu e o meu irmão ficávamos sempre satisfeitos, porque a sua chegada era sinónimo de prendas, compradas na feira. Apesar da aparente proximidade, a Capital estava mais distante que os normais 100 quilómetros das placas de informação, porque a viagem era feita pela estrada nacional, em quase três horas. Nesta época as auto-estradas não passavam de uma miragem, de Norte a Sul.
A Feira era um acontecimento de tal maneira importante, que trazia muita gente de fora de visita à cidade. Além dos habitantes das aldeias próximas e das cidades limítrofes, vinham autocarros de excursões, oriundas de todo o país, que enchiam os poucos lugares de estacionamento existentes e alguns campos baldios.
Nesta altura a Feira realizava-se na parte superior da Mata D. Rainha Leonor, ocupando as suas principais artérias com barracas de pano que vendiam quase todo o tipo de bugigangas – as autorizadas na época pelo "salazarismo"... – desde roupa a outros objectos domésticos, passando por electrodomésticos e máquinas agrícolas. Havia também as tendas de comes e bebes, onde a mãe comprava sempre uma dúzia de farturas, que se comiam quando chegávamos a casa com café (de cafeteira claro... ainda não haviam as “modernizes” do café expresso, pelo menos para nós). Também havia um espaço para venda de gado, afastado, que era o lugar de eleição dos agricultores.
Eu e o meu irmão ficávamos sempre em pulgas, por chegar à parte que mais gostávamos, a área das diversões. Costumavam ocupar o campo de futebol do Caldas e as imediações com o habitual carrossel mágico, a pista de carrinhos dos choques, as motas da morte (que nos despertavam tanta curiosidade e que a mãe nem nos deixava aproximar, porque era perigoso...), outras pistas de carros para a pequenada, e claro, o circo, o divertimento mais apelativo para todas as crianças pela sua variedade artística.
O “Maior Espectáculo do Mundo” era sempre anunciado com pompa e circunstância nas ruas da cidade. Ainda me lembro de alguns dos seus nomes: o Circo Mariano era talvez o mais famoso, mas também nos visitavam o Circo Mundial, o Americano, entre outros mais vulgares. Foi no interior das suas tendas, sentado nos bancos corridos de madeira da geral, que vi pela primeira vez palhaços, trapezistas e até alguns animais roubados à selva, com os leões, os tigres e os elefantes em destaque. Por vezes íamos espreitar às jaulas, de mão dada com o pai, grande apaixonado pelo mundo dos animais.
Neste Portugal do final dos anos sessenta, era tudo tão diferente, graças à pobreza “franciscana” decretada pelos poderes político e eclesiástico, sempre de mão dada durante a longa viagem salazarista e marcelista...
O óleo que acompanha o texto é da autoria de José Malhoa, e retrata os excessos populares proprios das feiras e romarias. O seu título é "Basta Pai!" e está datado de 1910.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Salir de Matos a Minha Aldeia


Esta fotografia tem a particularidade de ser a mais antiga que conheço sobre Salir de Matos, a aldeia onde nasci. Está datada de 1914.

É da autoria de Jorge Almeida Lima (1853-1934), um grande amador da fotografia, que teve expostas no Museu do Chiado, em 1997, algumas das suas melhores fotografias .

Quando visitei esta mostra de arte fiquei espantado por ver várias fotografias do concelho de Caldas da Rainha, inclusive esta, da aldeia onde viveram os meus avós maternos e em cuja casa nasci. Como devem imaginar, comprei logo o catálogo.

Não deixa de ser curioso que, durante a infância e adolescência, eu não tivesse qualquer orgulho em ter nascido em Salir de Matos. Como se o facto de ter nascido numa aldeia fosse algo de menor. Felizmente essas coisas infantis desapareceram com o tempo e hoje sinta uma grande satisfação por ter nascido no mesmo quarto onde nasceu minha mãe, meus tios e meu irmão.

Nesta altura os meus pais já viviam num dos bairros da cidade, mas como corria o boato que no velho Hospital de Santo Isidoro, era comum trocarem as criancinhas, fui de propósito nascer à "maternidade da família" em Salir de Matos.

Tive como parteira a dona Gertrudes, tia da avó Henriqueta, a "aparadeira" de todos os partos que ocorreram no velho quarto, o mais aconchegante da casa, por ficar por cima do forno.

Devo ter sido o último elemento da família a ser assistido pela parteira mais famosa das redondezas, naquele quarto, onde dormi tantas vezes...

domingo, agosto 13, 2006

O Inicio da Viagem


Nesta primeira "Viagem pelo Oeste" escolhi este quadro de José Malhoa, que retrata a Rainha D. Leonor, padroeira das Caldas da Rainha, com o objectivo de homenagear estas duas grandes figuras da cidade onde cresci e vivi até aos dezoito anos.
Este primeiro "post" é o começo de uma aventura, onde quero recordar pessoas e lugares que foram, e continuam a ser, importantes para mim, e também para a minha primeira "Terra".