quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Os Sonhos de Santiago


Durante as conversas de café, Santiago sente-se importante, embora, mesmo na sua cidade provinciana, esteja longe de ser uma figura popular. É olhado pelos conhecidos da sua geração como mais um curioso que tem a mania que é jornalista e que escreve umas coisas na “Gazeta” sobre a sétima arte.
Poucos sabem que o seu grande sonho é fazer parte, a tempo inteiro, do sindicato de cineastas. Só a meia dúzia de amigos que o acompanha às salas de cinema sem pipocas conhece esta paixão. Ele continua a acreditar que ainda vai a tempo de fazer o que sempre quis fazer, produzir filmes, abandonando o bando de inúteis que atura, diariamente, na repartição de finanças.
Às vezes tem sonhos bizarros, onde se vê dentro de limusines a passear pelas avenidas de Hollywood... e até a entrar de smoking na festa da entrega dos “óscares”, acompanhado de uma sereia qualquer, daquelas que fazem as delícias dos amantes de mulheres com tudo colocado no sítio, incluindo a excentricidade própria de quem se passeia por Beverly Hill, à espera de entrar em qualquer filme, mesmo ordinário.
Ele pertence a uma pequena tertúlia de cinéfilos que colecciona os Cahiers du Cinéma e troca filmes em DVD, apreciados em silêncio, mais que uma vez. A repetição de imagens é utilizada para desvendar alguns dos truques dos homens que dirigem a sala das máquinas e conseguem projectar sonhos e pesadelos, em qualquer écran.
Nas conversas «baratas» do grupo de meia dúzia de companheiros desfilam projectos que vão desde uma mão cheia de filmes, à criação de um «cine-clube» e até à produção de uma revista, só de cinema, na cidade.
Os amigos, cansados da pasmaceira que preenche o seu dia a dia, até já inventaram uma sociedade de “euromilhões”, onde investem uns euros às sextas, à espera de um bafo de sorte nas suas vidas vulgares.
Resta-lhes continuar a subir a corda da vida a pulso, incapazes de esconder o desânimo provocado pelo bando de inúteis que está a banalizar a sociedade, cultivando a cultura do nada nas "sic's" e "tvis", vocacionados em preencher a vida das pessoas, cada vez mais agarradas à televisão e ao vazio que se ocupa do seu olhar, cada vez menos exigente.
Santiago, entre um cigarro e um sonho, com a câmara digital numa das mãos, regista momentos e lugares avulsos da cidade. Talvez acabe mesmo por montar um documentário sobre a sua terra e sobre as pessoas que deambulam pelas ruas.
Só sobre o mercado diário, ao ar livre da cidade, conhecido, internacionalmente, como a Praça da Fruta, tem horas de gravação. Já pensou apresentar um projecto documental à autarquia, mas a pouca abertura do poder autárquico para as artes não é nada motivadora...
Texto Ilustrado com uma fotografia do mestre João Martins

15 comentários:

Maria disse...

Pois é, luís, o trabalho do Santiago é sem dúvida meritório, mas daí à autarquia estar interessada em apoiar um projecto deste tipo vai uma distância muito grande...

Maria disse...

luís, vai ao teu post da praça da fruta, tem lá um comentário sobre o futuro da mesma...

Luis Eme disse...

Pois vai Maria. Porque será?

Não esqueço o que fizeram à Casa de Cultura (que continua em ruínas no Parque), provavelmente com medo da acção cultural da esquerda...

Já fui ao outro lado...

Flôr disse...

Todos os dias encontramos algum Santiago que tenta dar alguma coisa, mas há sempre quem não queira e volte as costas.
Continuamos com a "cultura" das novelas porque é importante viver ao faz de conta...
As autarquias cada vez têm menos interesse nos projectos culturais/educacionais.
Beijinhos

Ana M. disse...

Não auguro um grande futuro ao Santiago...
Se bem que está a querer pegar a "onda" dos documentários, com bilhetes a preço de longas metragens.
Quem sabe, daqui a uns anos?
Há sempre a Espanha, aqui ao lado...

Luis Eme disse...

É verdade Ana.

Dizem que não queremos fazer nada... mas quando corremos atrás de qualquer sonho, há sempre alguém, preparado para nos "cortar as pernas".

Em relação às Autarquias, agora com os "cortes" e a nova "lei", elas têm mais um motivo para cortarem na educação e cultura, coisas supérfluas, claro...

Luis Eme disse...

Quem é que tem futuro neste país, Sininho?

maria disse...

Luís, muito bom o teu texto. E sinto-o com um toque muito pessoal que me sabem muito bem.

E também eu digo que, nesta como noutras autarquias, o Santiago não tem futuro.

Bom fim-de-semana, com sabor a beijinhos das Caldas

Ida disse...

Lá estás tu, Luís, a deixar-me murcha com um texto tão lindo e que soa a tão triste... tem mesmo um toque especial que eu não sei bem de onde vem (especificamente no texto, mas vem do autor, claro), um tom desesperançado.

Não me faças isso em véspera de Referendo! A única coisa que me alegra são as malas, que estou a fazer, pois na quinta tou naquela poltrona, que eu nem me importo com o cada vez mais desconfortável que é, a colocar um ponto parágrafo nesta vida de cá, abrindo um delicioso parênteses lusitano.

PS: Já sou uma mulher moderna, podes postar com a tua própria identidade no sulbúrbio. Beijos.

Luis Eme disse...

Pois é MC, a vida está difícil para todos, especialmente para os Santiago's... com os bolsos carregados de sonhos...

Luis Eme disse...

Ida, queria tudo, menos deixar-te murcha.

A realidade neste lado do Atlântico, está longe de ser um "mar de esperança".

Especialmente para os jovens... cuja capacidade de sonhar, quase não tem limites...

Ida disse...

Vê lá, pela tua obs suponho q o Santiago, ou seja lá quem ele represente, será jovem. AO ler o texto, porém, parecia-me já saído da juventude mais tenra... vê lá o tom do teu texto... (Deixo-te um sorriso, com olhar parceiro, mas triste).

Em todo caso, e se for esse o caso, faz entender ao Santiago que há quem tenha o dobro da idade dele, e ainda sonhe, mesmo que com freqüência irregular. E fique feliz com a hipótese de abraçar os amigos e repetir gestos que já davam conforto qd se tinha idade dele.

Luis Eme disse...

Acho que este nem sequer é um problema de idade...

Infelizmente somos um país, Ida, em que a maior parte das pessoas não fazem o que gostam.

Quantas pessoas não começam a escrever e a pintar, depois de se reformarem, dando espaço a sonhos antigos?

Alice C. disse...

Pobre Santiago.

Ainda és um jovem, o cinema está a dar é para o senhor Oliveira, quase a fazer um século de vida...

Luis Eme disse...

Parece que sim Alice.

Alguns realizadores (consagrados da nossa praça), mordem-se de inveja, e com alguma razão, pelos apoios dados ao Manoel de Oliveira.