Apesar de ter apenas onze anos, recordo-me bem do dia 25 de Abril de 1974, «inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio», como tão bem retratou, a nossa Sophia de Melo Breyner Andresen.
Como vivia nas Caldas da Rainha, uma cidade de província notoriamente conservadora, não se sentiram grandes ecos revolucionários, pelo menos até ao fim da tarde.
Penso mesmo que a cidade viveu este dia de uma forma apreensiva, até porque um mês e alguns dias antes, os militares do RI 5 tinham saído do Quartel em direcção a Lisboa, para participar numa outra Revolução, que tinha entretanto sido adiada.
Felizmente, quarenta dias depois, a Revolução saiu mesmo à rua.
Militares vindos de várias regiões do país invadiram a Capital e ocuparam os lugares estratégicos da cidade. As dúvidas iniciais dos “Capitães de Abril” transformaram-se em certezas, graças ao apoio popular de milhares de pessoas, que surgiram de todos os lados, de uma forma completamente expontânea, para dar vivas à Revolução e à Liberdade.
Enquanto a multidão invadia a baixa e deixava o Largo do Chiado em estado de sitio, eu brincava no quintal da minha casa, satisfeito pelo “feriado” escolar inesperado. Assistia serenamente à troca de informações entre a mãe e uma vizinha, que não tiravam os ouvidos do rádio, que dava conta dos últimos desenvolvimentos (nessa altura já tínhamos televisão, mas as emissões deviam ter sido interrompidas, pois só me recordo da transmissão das notícias radiofónicas...) da Revolução.
O ponto alto desse dia acabou por ser a rendição de Marcelo Caetano e de todo o governo. Era o sinal mais da vitória dos Militares de Abril.
A minha mãe ficou bastante dividida nesse final de tarde, porque era uma das muitas espectadoras atentas às “Conversas em Família” do Marcelo Caetano, por quem tinha uma grande admiração, considerando-o um bom governante e um homem sério.
O meu pai, de espírito mais libertário, ficou bastante satisfeito com este desfecho. Acreditou firmemente na possibilidade de Portugal se tornar um país mais justo, tal como milhões de portugueses...
Uma das coisas que mais o chocava eram os constantes abusos de autoridade, praticados por quem detinha qualquer poder. Qualquer soldadeco da GNR ou agente de terceira da PSP, procedia como se fosse dono deste, ou de qualquer outro mundo. O pai tratava-os por “pançudos” e realmente, nessa época, eles eram todos bem anafados...
Como devem calcular, mais chocado ficava, quando sabia que alguém tinha sido preso ou interrogado, pelo simples facto de defender um Portugal mais livre e democrático, pela odiosa DGS.
Acabo como comecei, com as palavras de Sophia. Tenho algumas dúvidas que «esta é a madrugada que eu esperava», porque trinta e três anos não foram suficientes para nos termos tornado um país mais justo e igualitário. Claro que «livres habitamos a substância do tempo»... e a Liberdade continua a ser a herança mais preciosa da Revolução de Abril.
A foto que ilustra o texto é de Alfredo Cunha.
22 comentários:
Passados estes anos ainda se sente um vazio, algo por mudar, algo que falta acontecer.
Este ano em particular tenho sentido mais a falta dos valores de Abril.
Um bom dia para ti*
Era um pouco mais nova que tu e não me lembro de grande coisa do 25 de Abril. Não devo ter ido às aulas, mas não faço ideia.
Pudera, não tenho a tua memória nem o teu jeito de escrever, Luís.
Pois... acho q estás in the right mind... não se pode querer contos de fadas, mas as mudanças se fazem (ou tem q ser feitas) primeiramente nas mentalidades e acho q para isso serviu o 25 de abril.... E ainda está servindo, alguém pode imaginar o que seria Portugal hj se tivesse demorado mais tempo a acontecer?
Beijos e o cravo cá chegou... perfumadíssimo e o grito vibrante também. É um prazer vir a esta tua casa neste dia.
mudou muita coisa, mas ainda vamos muito atrasados na corrida, temos que imprimir mais velocidade....
Gostei e concordo plenamente com o conteúdo do texto, pois volvidos 33 anos, a sociedade continua bastante idêntica ao "antes". Temos futebol, calhandrice, muito ricos e cada vez mais pobres, mas livres de se queixarem sem irem presos, o que faz toda a diferença!
Bjs
TD
Sinto que nos estamos a afastar demais de Abril, Maria P.
Há quem se esteja a aproveitar da "crise", para nos ir tirando direitos, que considero fundamentais...
Não te lembras, apenas pelo facto de seres mais nova, Alice...
Cada geração tem as suas vivências...
Claro que mudou muita coisa, Ida.
Mas poderia ter mudado mais, com pessoas mais sérias e competentes à frente do país...
Tem havido demasiadas pessoas a quererem fechar a porta a "Abril", só que a sua memória ainda tem a força de um furacão. Claro que tem vindo a enfraquecer e qualquer dia é apenas uma brisa que passa...
Pois vamos Vladimir.
Temos de acelerar, sem abusar das placas de velocidade...
O mais preocupante, Teresa, é o fosso existente entre ricos e pobres. Com a agravante, como muito bem dizes, dos ricos serem cada vez mais ricos e os pobres mais pobres...
Nunca se viu tanta gente a viver na rua... isto devia fazer pensar os governantes, mas não faz...
"e a Liberdade continua a ser a herança mais preciosa da Revolução de Abril."
São estas tuas palavras que me fazem lembrar como é injusto o pensamento dos portugueses nestes últimos tempos. Não entendo esta saudade de outros tempos que agora tanto se fala.
Não será o ideal de cada um os tempos que vivemos, mas hoje temos a liberdade, essa liberdade de que me falas, de o poder dizer, contestar e protestar com o que achamos que não está certo. A utopia é um mundo imaginário e difícil de alcançar. Recebemos os ventos da mudança, importa agora não adormecermos e mantermo-nos alertas.
Nós mulheres fizemos uma viragem enorme na história portuguesa, se bem que ainda temos muito para andar, as conquistas são enormes. Continuamos a lutar pelo nosso lugar na sociedade, mas vamos conseguindo, devagar, mas como é grande a diferença. Como é bom eu poder escrever isto, sem pedir licença a ninguém. As memórias estão ficando apagadas.
Que bom que é passar por aqui, pela tua casa em dias de Abril.
Um beijinho Luis
Ps) O último post apagado é meu, mas como continuo com problemas na Net, acabou por sair com um erro. Desculpa
Não há dúvida de que a memória é curta.
O programa do António Barreto tem feito, certamente, muita gente lembrar-se de como eram as coisas e como são agora.
Até eu, que não esqueço com facilidade(o bom e o mau), me espanto com determinadas situações que, tendo-as vivido, verifico agora não lhes ter prestado grande atenção.
O passar do tempo modifica quase tudo, a vida não pára.
E que distantes estão já os anos 70...
Tens uma nomeação na minha casinha.
Pois é Franky...
num país autoritário, como era o nosso antes de Abril, era impossível termos blogues e dizermos aquilo que pensamos...
Tens razão Sininho, "Portugal - Um Retrato Social", de António Barreto é extremamente educativo, especialmente para os jovens.
Quando se deu o 25 de Abril havia milhares de aldeias sem luz eléctrica... e muito menos água canalizada e saneamento básico.
E Lisboa? Toda a sua cintura estava povoada de bairros de lata, que só acabaram no começo da década de noventa...
Há milhares de exemplos deste género...
Então não passei por aqui, ontem?
Pelos vistos...
Sabes que não faço a mínima idéia de como foi vivido o 25 de Abril em Caldas?
Acho que embarquei aqui, e só anos mais tarde é que voltei lá (quando tive tempo).
Talvez também porque um familiar meu tenha sido saneado do RI5 - e eu tinha uma vergonha enorme disso.
Começaste muito bem com a Sophia. Acabaste muito bem com a Sophia.
Porque está (ainda) nas nossas mãos fazer de Portugal um país mais justo e igualitário. Ainda está.
Ainda...
Beijinhos
Não deixes adiar o amor. Esta noite, busca-o. à momentos...
Beijinhos embrulhados em abraços
Pois está... haja vontade e união e muita coisa ainda pode mudar, Maria...
Esta noite?
Está bem, Sonhadora...
Luís
Vai ao meu blog para tomares conhecimento de uma nomeação...
Estás à vontade para não dares seguimento...
Mas como foi a sininho que me nomeou e a ti também... levas outras nomeação...
Eu sei que não alinhas neste tipo de coisas...
Beijinhos
És uma querida Maria...
As "Viagens" pelo nosso Oeste agradecem e retribuem a distinção.
Bjs
a liberdade é apenas uma invenção...mas isso seria outra conversa.
a saber, agora, que:
3/4 dos portugueses vive com cerca de 1 euro por dia.
se isto não torna urgente um novo e mais concreto 25 de abril, não sei o que o tornará.
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bom post, o teu.
curiosamente, uma das fotos que postei no passado 25 de abril foi esta que tens aqui.
bjs
Nan
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