Às vezes ponho-me a pensar, nas coisas que herdei do meu pai. Nem tudo são "rosas", mas sei que a força de carácter, assim como a teimosia e alguma rebeldia em relação à sociedade, quase sempre demasiado castradora, vieram dele.
No entanto penso, que a coisa mais marcante que recebi dele foi o seu sentido de justiça e igualdade social. Foi bom sentir desde muito cedo, que somos todos iguais. Podemos ser ricos, pobres, brancos, pretos, grandes, pequenos, etc, mas temos (ou devíamos ter...) os mesmos direitos e deveres cívicos. Ele nunca quis ser mais que ninguém, mas também nunca quis ser menos...
Eu também sou assim.
Lembro-me muitas vezes de uma manhã de domingo, em que ele me levou à caça, rente ao nosso bairro, com a "flober" (uma arma de caça de cartuchos mais pequenos...). Graças a um pequeno incidente, percebi (sem perceber muito bem na época, devia ter seis, sete anos...) até onde chegava a "pseudo-importância" e a tentativa de intromissão na vida dos outros, de alguns sabujos...
Um sujeito resolveu implicar com o meu pai, armado em "polícia", ao ponto de chegar a ameaçá-lo, por o meu pai se recusar a identificar e a mostrar-lhe a licença de caça, já que este também não se identificou. O meu pai nunca baixou a cara, enfrentou-o sempre, olhos nos olhos. A partir de certa altura fiquei com medo, porque o outro tipo já falava em prisão...
As coisas acabaram por ficar por ali, porque o pai, disse-lhe que tinha mais que fazer que aturar "gente de merda" e virou-lhe as costas. O outro, furioso, continuou com as ameaças, que aquilo não ia ficar assim, etc.
Como o pai percebeu que eu estava assustado, animou-me, dizendo que aquilo não era nada, que quando crescesse ia descobrir que o mundo estava cheio de gajos que tinham a mania que eram "polícias". E para me fazer sentir importante, colocou a sua cartucheira cheio de pássaros à minha cintura, para que entrasse em "glória" no nosso bairro...
Quando se deu o 25 de Abril, soube de fonte segura, que o fulano que nos tinha importunado era informador da PIDE...
O meu pai já sabia disso naquele domingo de manhã, mas nem por isso, se mostrou assustado. Antes pelo contrário, deixou bem patente o asco que tinha a gente da sua laia...
Escolhi este desenho de José Malhoa ("O Emigrante"), porque reconheço nele, muito do que o meu pai foi, e eu também sou, sem qualquer tipo de complexos, um homem dos campos da liberdade. A cidade "asfixiante" é um acidente de percurso...
10 comentários:
Não deixa de ser, é, uma bonita homenagem ao teu país, Luís, que te ensinou desde pequenino "algumas coisas" importantes para quado fosses maior.....
Imagino-te a entrar no bairro com a cartucheira cheia de pássaros à cintura....
Beijinhos, Luís, pai também!
Entendo perfeitamente o que aqui descreves, a ilustração muito bem escolhida.
Belíssima homenagem!
Beijos Luís M.
uma atitude de grande bravura, a do teu pai, luís. uma homenagem bonita. beijinhos.
pelas "mãos" dos nossos pais, aprendemos sempre, durante toda a nossa vida...
Um beijo para ti,no dia do PAI *
Bacana ter um pai assim, ensina demais, pois li em algum lugar que "a palavra convence, mas o exemplo arrasta". Muito bonita a atitude do teu pai, assim como o teu texto. E postas coisas do Malhoa que não sei onde as vais buscar, e adoro. Mas a cidade tb pode ser um exercício de busca de liberdade e o campo pode ser um espaço cercado de limitações, depende muito de como nos colocamos, e dos exemplos que temos.
Beijo e boa Páscoa, parece que vai ser à lareira pelo que tenho recebido de notícias.
É bom recordarmos que os nossos pais, foram os nossos verdadeiros "super-homens", Maria...
Também gosto muito deste esboço do Malhoa, Maria Maio...
O meu pai era assim mesmo, Alice...
Pois aprendemos, Cor do Mar...
O exemplo arrasta sempre, Ida...
Claro que a cidade tem muitas virtudes, mas consigo encontrar-me mais na calmia dos campos...
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