Na minha infância as ruas eram um lugar sagrado para todas as crianças, porque era nestes espaços abertos, que nos encontrávamos, diariamente, para brincar.
As coisas eram muito mais simples... os carros eram uma raridade e a insegurança nas ruas nem sequer era tema de conversa nas casas, nos cafés e nas ruas. Isto acontecia porque nos bairros todos se conheciam e nada passava em claro à vizinhança.
Como os relógios andavam mais "devagar", as pessoas tinham mais tempo para conversar umas com as outras e para estarem à janela, a olhar para tudo aquilo que as rodeava.
Podiamos brincar a jogos simples como à apanhada, às escondidas ou a outros mais técnicos como o berlinde, as corridas com caricas ou ao futebol, o jogo mais popular entre a rapaziada. Sim, porque neste tempo o futebol não era coisa de mulheres...
Nestes jogos improvisados, qualquer coisa servia de baliza. Não existiam árbitros nem cronómetros, as partidas mudavam aos cinco e acabavam aos dez... e se houvesse tempo para mais, prolongavam-se, até chegarmos a resultados mais próximos de um jogo de andebol que de futebol...
Quase todos escolhiamos nomes de guerra. Não havia jogo que não tivesse um Eusébio, um Damas, um Simões, um Humberto, um Nené, um Artur, um Peres ou um Pavão (havia um miúdo do Norte, que era sempre o Pavão...). Eram estas as nossas "escolas" de futebol.
Depois de termos crescido um palmo e já nos acharmos suficientemente bons, formávamos equipas das nossas ruas e desafiávamos os "putos" da vizinhança para desafios empolgantes, quase num campeonato de bairro.
Recordo que a minha equipa, da Rua do Meio, era a mais macia e também a melhor tecnicamente. Era por isso que levávamos muita "porradinha", dentro e fora do campo. Por vezes éramos mesmo "corridos à pedrada", por adversários com mau perder.
Estes jogos já se jogavam em campos improvisados nos muitos espaços baldios (muitas vezes com balizas de madeira, quase a sério...) em redor dos bairros, ocupados posteriormente, de uma forma quase selvagem, pela construção desenfreada de um progresso, que roubou as ruas às crianças...
Hoje os nossos filhos crescem sem conhecer as "Ruas da Liberdade". Talvez esta seja uma das facturas mais "caras" e perniciosas do tal progresso...
(foto Eduardo Gageiro, in "Estas Crianças Aqui")
6 comentários:
Na infãncia é tudo mais fácil... já não me lembrava do processo de escolha, com os pés e por ordem descendente da qualidade artística (os pés quadrados ficavam sempre para o fim...).
Eu não jogava futebol(pois...seria porque era menina?!) ;)
Mas tinha a liberdade de um rio...do meu rio Dão que morava aos pés das casas da minha aldeia.
E havia um rio sim...E o brincar nas pedras a fazerem de sofá...e o brincar às escondidas por trás de cada pedra.E eramos índios e cowboys (eu era sempre índia!)e parávamos a "guerra" para um banho prolongado com um sabor a paz...e..tudo isso que contas também, porque tinha liberdade e imaginação dentro.
Guardador das margens do Tejo, eu aqui deste outro lado do Atlântico agradeço a visita no meu blog. Bem, você tem dois blogs, mas escolhi comentar neste aqui, visto que gostei muito deste post.
Em todos estes anos vi minha rua mudar, as pessoas mudaram, o cotidiano mudou... O próprio conceito de rua se tornou outro e não há mais nada que me prenda lá. Apenas sinto saudade daquela época em que era feliz e não sabia.
Abraços.
Nia, mergulhar nas águas frescas do Dão... era de certeza saboroso, especialmente quando o calor apertava.
Sem esquecer as brincadeiras de indios e caubóis, com armas quase de papel...
Obrigado pela visita Magie.
As coisas estão sempre em mudança, sobram as recordações, que acabam sempre por voltar, mais tarde ou mais cedo...
sempre brincámos nas ruas e bem me lembro de como era bom, o que inventávamos para brincar e, quando jogávamos às escondidas,à bola, ao feijão, e quando um miúdo trazia um feijão desconhecido dos outros? Todos queriam jogar para ganhar o tal feijão.A rua era a nossa sociabilidade.
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