Estive a mexer em papeis e descobri um recorte delicioso do “Diário de Notícias”, publicado a 9 Agosto de 1997, de uma daquelas rubricas normais de Verão, intitulada “Férias Inesquecíveis”.
O texto é da autoria de Maria Barroso e oferece-nos várias referências ao Oeste, mais concretamente à Foz do Arelho e às Caldas da Rainha.Com a devida vénia, passo a transcrever:
[...] «Guardo estas férias longínquas num recanto da memória onde a emoção e a saudade se misturam às imagens queridas dos meus pais e avó derramando afecto os sete diabretes que nós éramos.
Mas as férias na Foz do Arelho, mais próximas ainda que distantes, são inesquecíveis.
Naquele extenso areal, que acompanhava o mar irrequieto e muitas vezes ameaçador, se imprimiram os primeiros passos dos meus filhos, se ouviram as suas vozes conquistando segurança em cada nova palavra descoberta.
Tínhamos duas barracas – uma na lagoa, a que o mar vinha muitas vezes juntar-se, confundindo as águas, e outra perto do mar.
Na da lagoa brincavam e ensaiavam os mais pequenos – filhos e alunos do Colégio – os primeiros exercícios de natação.
A do mar era o lugar de conversa e da conspiração com os amigos – o Humberto Lopes e os Freitas, os Janas e outros que apareciam, como os Jacobettys e os Ramos da Costa. [...]
Foram momentos inesquecíveis de convívio com gente de eleição, tanto do ponto de vista intelectual como humano.
Jaime Cortesão, que reverenciávamos como admirável historiador, como figura cívica exemplar, era para nós uma referência a inspirar os nossos gestos e acções.[...]
Murilo Mendes, o grande porta brasileiro, ainda o vejo de boina, abrigando-se sob um longo chapéu-de-sol, quando descíamos do carro e nos passeávamos por entre as bancadas coloridas das frutas no mercado das Caldas. Os pêssegos de Alcobaça, as pêras carapinheiras, as maças riscadinhas amontoavam-se apetitosas ao lado dos cestos transbordantes de batatas, de ovos e de hortaliças, onde às vezes as lagartas apareciam a testar o natural das culturas, ainda ignorantes dos pesticidas. Ele deliciava-se com as cores, com o movimento, o barulho das vozes regateando os preços, seguindo os meus passos habituais a percorrer os caminhos que era preciso abrir entre os montes de pessoas que mercadejavam.[...]
Ainda hoje, na nossa lembrança enternecida, se recortam os perfis, tão diversos mas tão interessantes e nítidos, dos amigos que connosco partilharam algumas das mais deliciosas férias na Foz do Arelho.»
O Mar bravio da Foz é mesmo assim, um guardião de tantas histórias, tantos sonhos, tantas conspirações, tantas personagens... a foto da família Soares, também fazia parte integrante da página do "DN".
12 comentários:
Lembro-me, Luís...
Devo ter (ainda) pelo menos uma fotografia "familiar" alargada...
E de repente ocorreu-me uma estória passada com o velho Freitas (o baixinho) a seguir à campanha do Humberto Delgado...
Um dia destes, quem sabe, tomas cohecimento dela..
Maria Barroso além de ser uma referência política no nosso país é uma mulher de grande sensibilidade humana e artística!
Obrigada pelo recorte...
Um belo texto este.
E... um bocadinho do meu veneno:
Tão engraçadnho que era o menino Joãozinho e olha no que veio a dar...
ao olhar para esta foto, seria difícil imaginar a largura de ombros que agora ostenta o sr soares. é incrível como já tem netos maiores do que os filhos nesta altura. o tempo é ingrato. passa tão depressa que quando vemos, já só temos a herança das recordações. muito bem escritas, aqui, por sinal. gostei de ler *
Fico à espera da história, Maria...
É sim senhor, Rosa.
Também gosto bastante dela. E escreve bem...
Reparo bastante pertinente, Sininho.
Estás sempre atenta...
A vida é isto Alice... o tempo reflete-se sobretudo no olhar e nos corpos daqueles que nos são próximos...
Ola Luis
Ca consegui arranjar hoje tempo para visitas
O teu texto, a transmitir o misticisma da nossa querida Foz...
ADOREI
Desejo um b f semana e deixo uma beijoca ;)*
Foz do Arelho FOR EVER no coraçãozinho do Luís Éme! :)
E na família do Mário Soares também , pelos vistos.A maneira como está escrito parece um "quadro" do Cesário Verde.
Eu não tenho praia na meninice.Estava muito muito longe do mar...Vi pela primeia vez o mar, com o meu pai , num passeio à Figueira da Foz.Tinha para aí 11 ou 12 anos.Fiquei deliciada com a a cor , o mexer das ondas, o cheiro, o sabor.
Mas as minhas férias cheiram mais a rio.O Rio Dão.Assim que as rãs começavam a coaxar mais alto (começava a Primavera)lá ia eu e os outros meninos para o rio.O rio das banhocas, das brincadeiras, dos primeiros amores, dos sustos e das quedas nas pedras escorregadias dos limos.
És sempre bem vinda ao nosso mar, da tua cor...
Tive muitas praias da meninice, Nia...
Baleal, S. Martinho do Porto, Salir do Porto, mas nenhuma com o encanto da Foz do Arelho...
Nós que nascemos rente ao mar, esquecemo-nos das pessoas que só descobriram o mar, adultas.
A "tropa" tinha essa coisa boa, de transportar as pessoas para lugares, tão diferentes dos onde nasceram (embora fossem só os homens que partiam para as "sortes", até aqui havia desigualdades, no encontro com o mar...)
No tempo da tua meninice ainda havia rios fabulosos... quase mares, só faltavam as ondas e a linha do horizonte...
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