segunda-feira, outubro 30, 2006

"Católicos e Política" é Mais que um Livro...



"Católicos e Política" representa muito mais que um livro, para mim.
Ele marca o meu primeiro contacto com um país onde existiam demasiadas coisas proíbidas, como um simples livro...
Os meus pais guardavam-no num armário alto, misturado com roupas e trapos (num tempo em que se guardavam os trapos velhos...). Só saía de lá, quando era emprestado a alguém de muita confiança.
Havia bastante secretismo e muito cuidado a volta deste livro, e até medo. Este medo estava mais relacionado com os outros (as autoridades e afins, onde se incluiam os bufos da PIDE), que com o seu conteúdo. Estou a falar apenas de uma colectânea de textos escritos por católicos progressistas (merecem realce algumas cartas enviadas a Salazar), editado e apresentado pelo padre José Felicidade Alves.
Transcrevo apenas o primeiro parágrafo da sua apresentação: «Mais dia menos dia terá de se fazer a história crítica destes últimos anos da vida política portuguesa; e não deixará de ter lugar de relevo a presença ou ausência dos católicos na vida política, assim como a posição negativa ou positiva dos hierarcas e das estruturas clericais no funcionamento do sistema.»
Não sei porquê, mas a vida e obra do Padre Felicidade Alves tem passado completamente despercebida no Concelho das Caldas da Rainha. Penso que não existe qualquer artéria com o seu nome, nem mesmo em Salir de Matos, de onde é natural (ao contrário do que acontece nos concelhos de Oeiras e Lisboa), embora seja, sem margem de dúvida, a pessoa mais importante nascida nesta Freguesia, ao longo do século vinte.
O autor, infelizmente já desaparecido, foi a primeira pessoa da minha família a estar ligada ao mundo dos livros. Eu sou o segundo...
Quando saí das Caldas para a grande Capital, fui viver com ele e com a Elisete, sua esposa. Ainda hoje recordo esses momentos, com grande ternura e companheirismo.
Prometo voltar a falar do padre Zé, um dia destes...

17 comentários:

Maria disse...

Luís
A blogosfera às vezes prega-nos partidas giras.
Então não é que, às tantas, já nos cruzámos a tomar café aqui na zona? Logo logo no início da pomposamente chamada "linha do Estoril"?
O Felicidade Alves foi um grande homem. Lembro-me da sua passagem, polémica, pelos Jerónimos. O "É preciso nascer de novo" continua aqui ao lado, numa das estantes.
Continua a surpreender-me...

mfc disse...

Que bom ouvir falar de novo no Padre felicidade Alves já tão esquecido!

Cristina Caetano disse...

Luís,

que pai e mãe maravilhos, que coragem! Isso é um tesouro, uma nova edição seria bem vinda, no mínimo para mim que não conhecia o autor e o conteúdo me interessa.

E obrigada pela referência ao "Nuvens", valeu! :)

Luis Eme disse...

Pois foi Maria... durante algum tempo vivi na Cruz Quebrada, que já pertence à "linha".
Ele foi sem qualquer dúvida, um grande homem.

Luis Eme disse...

Obrigado pela visita MFC.
É perfeitamente natural que ninguém fale do Padre Felicidade, até porque ele nunca andou por aí em bicos de pés, sempre foi extremamente sóbrio.

Luis Eme disse...

Obrigado pela visita Cris.
Realmente tive uns pais maravilhosos, mas em relação ao livro, não se pode falar assim tanto de um acto de coragem, porque durante a ditadura fazia parte do quotidiano português, escondermos uma série de coisas, inclusive livros.
Em relação ao seu conteúdo é bastante importante e divulga cartas assinadas por pessoas como a Sophia de Mello Andresen, o Alçada Baptista, o Jão Bénard da Costa, entre tantos católicos progressistas. Claro que seria bem vinda uma segunda edição.

Alice C. disse...

Nunca tinha ouvido falar do padre Felicidade Alves (não podemos saber tudo, não é?).
Fiquei curiosa em relação à data de edição do livro, por já falar de Marcelo Caetano.

Luis Eme disse...

A edição do Livro é dos finais de 1969, Alice.

Ana M. disse...

Haver livros proibidos chegavava ser estimulante, sobretudo quando se era jovem. Nós tínhamos um livreiro que arranjava e punha de parte os livro "não autorizados".
Graças a ele me passaram pelas mãos, obras interessantíssimas, que só a tacanhez de mentalidades levava a considerá-las desaconselháveis. Provàvelmente, se não houvesse proibição, o interesse não seria tanto...
Mas,escondidos, não estavam, lá nas prateleiras. Alinhavam-se ao lado dos outros, sem receios, que, lá em casa, ninguém se metia em política.
Devo dizer que nunca me senti vigiada, e considero que nem tinha suficiente importância, para que isso acontecesse, tendo, até, passado uma juventude tranquila, no Porto.
Todas essas evocações, que, agora, tanto estão na moda, de um "clima de terror", para mim, não fazem sentido nenhum. Os activistas, sim, tiveram a vida bem dificultada, que, nesse tempo, não havia direito a oposições...
Mas as pessoas comuns, como era o nosso caso, não eram perseguidas nem ameaçadas. É verdade que não havia a liberdade de que, hoje, disfrutamos, já que a censura fazia "cortes" em livros, filmes e imprensa, proibindo o polìticamente incorrecto, ou a ridícula e eufemìsticamente chamada "ofensa aos bons costumes". Para dizer a verdade, a política só começou a interessar-me, após o 25 de Abril, porque os horizontes se alargaram.
Faço votos para que, um dia, por razões securitárias, agora ligadas ao terrorismo global, não vejamos o tempo voltar para trás...

Isto é que foi um "testamento"...

Luis Eme disse...

O "clima de terror" de que falas fazia menos sentido na província que nos grandes centros urbanos, mais por desconhecimento das pessoas que por outra coisa. Mas em Lisboa e nas zonas circundantes, mais industrializadas, onde existiam uma classe operária mais esclarecida (caso de Almada...), passavam-se coisas do arco da velha. Tenho conhecimento de casos em foram presas e interrogadas pessoas sem qualquer culpa ou envolvimento político. Isto só aconteceu porque alguns dos informadores da PIDE (pagos à delação) não gostavam delas e resolveram inventar que eram comunistas.
Quem sabia que se vivia numa ditadura, vivia com mais cuidado e medo. Até por saberem que pessoas próximas, eram presas, sem culpa formada. Claro que estas histórias passavam ao lado da maior parte dos portugueses.
No caso do padre Felicidade Alves, foi interrogado e preso pela PIDE, várias vezes (no tempo do Marcelo). E se falarmos das vezes que foi alvo da censura, quase que se perde a conta...
É complicado falar de exageros ou de modas, porque a ditadura existiu durante 48 anos e prejudicou milhares de pessoas. Se pensar só nas pessoas que foram proibidas de ensinar nas escolas públicas ou trabalhar para o Estado(Agostinho da Silva, Irene Lisboa, Jorge de Sena, Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Cunha Leal, Urbano Tavares Rodrigues, Virginia Moura, Ruy Gomes, Lopes Graça, Mário Soares, etc), chegamos a um número assustador...
É bom que este tempo não volte, é que se deixe de branquear um regime totalitário, que cometeu demasiadas atrocidades e crimes, enquanto esteve no poder.

Maria disse...

Luís
Não podia estar mais de acordo contigo. Existe uma certa "apatia" em relação ao que foram os 48 anos de ditadura. Penso que este mundo que é a blogosfera pode esclarecer / informar pessoas que eram muito jovens ou nem sequer tinham nascido em 1974. São anos que fazem parte da nossa história, da história da nossa luta, e que hoje se tentam branquear. Por várias formas, algumas muito subtis...
E ainda por cima as televisões quando passam alguns programas sobre o antes do 25A, fazem-no a tais horas que pouquíssimas pessoas os vêem.
Um abraço

Luis Eme disse...

O pior é que hoje até existem alguns historiadores que colocam em causa a existência de um regime fascista no nosso país. Isto é que é gravissimo.
Qual será o nome que se dá a um país com um regime totalitário, sem eleições livres e com apenas um partido com assento num parlamento a brincar? Com uma polícia política que interrogava, prendia e assassinava, pessoas cujo único crime, era lutarem pela liberdade e democracia? Que usava e abusava da censura sobre todos os meios de comunicação social e livros?
Penso que estes três exemplos são suficientes para caracterizar o País de Salazar e Caetano.

Maria disse...

Luís
Deixa-me só acrescentar - uma guerra "colonial" totalmente injusta, em que milhares e milhares de portugueses e africanos morreram ou ficaram estropiados. E para quê? E com que direito? E vamos bater sempre no mesmo ponto: porque os senhores do capital também eram "donos" do cacau, do algodão, dos diamantes, etc., mas os filhos deles não iam para lá, não...
Quando o poder político se submete ao poder económico... E mais não digo.
Bom dia!

Cristina Caetano disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Cristina Caetano disse...

Sininho, :), (Luis, me dê licença para referir-me à Sininho) achei pessoalmente interessante o teu comentário. Já mencionei que o assunto me interessa, aliás, Portugal me interessa.
Mas por tudo que meus primos me contaram (são do Porto) sobre como era aquela época, tinha a idéia - errada, que só percebo agora - que afetava e muito à todos, inclusive às pessoas comuns. E agora imagino que não tenha sido pelo o que me contaram, mas sim pela minha própria interpretação através deste "clima de terror" a que te referes que sentia e ouvia falar nos anos que vivi aí em total liberdade, foram 10. Há 4 anos atrás, fresquinhos até.
E pelo o que o Luís comenta depois, concluo que foi muito parecida com a ditadura brasileira. A falta de liberdade sempre afetou mais os grande centros e, professores, jornalistas, escritores e pessoas que eram ás vezes, apenas conhecidas destas, que nem sabiam como ou porquê eram investigados pelo DOPS - algo como a PIDE - além dos activistas. Jorge de Sena viveu aqui...

Entendi o ponto colocado pela Sininho e só posso concordar que agora, mais do que nunca - e alguém também falou a respeito - é preciso cada vez mais tocarmos no assunto. Eu mesma, presenciei pouco da "nossa" ditadura, e menos ainda da "vossa", mas o assunto era corriqueiro na minha casa. E ainda bem que era! Mas os jovens de "hoje" sabem pouco.

Obrigada a todos pela "aula". Foi bacana retornar aos comentários. :)

abraço

Luis Eme disse...

Sabes Cris, há um aspecto interessante nestas coisas dos livros proibidos. Como haviam muitos autores estrangeiros riscados a azul pela censura, chegavam muitos livros por via marítima editados no Brasil, de escritores como Jorge Amado, Hemingway, Steinbeck, entre outros.
O que quer dizer que as coisas por cá eram um pouco mais complicadas no outro lado do Atlântico...

Anónimo disse...

Eu conheci o padre Zé,em duas localidades, uma delas Lisboa, mas, não tenho o livro dele, porque na altura não tive acesso a ele e, hoje não se encontra à venda, o que é de lamentar.Pois continuo a pensar que, sabendo o passado,vivemos melhor o presente e projectamos o futuro..