sexta-feira, março 16, 2007

As Caldas e o 16 de Março de 1974


Hoje comemora-se mais um aniversário da tentativa de golpe de estado pelos militares do Regimento de Infantaria 5 de Caldas da Rainha.
Apesar dos esforços da censura em retirar a minha cidade do mapa da "revolução", acabou por não o conseguir na totalidade.

Claro que o 16 de Março foi tratado de uma forma ligeira, sem merecer grande destaque nos jornais, na rádio e televisão. Poucos souberam que aquela "brincadeira" fez com que fossem presos cerca de duas centenas de militares.

A Cidade acabou por ter conhecimento do caso, embora a maior parte dos seus habitantes não soubessem ao certo o que tinha acontecido. Não me lembro de ter sido tema de conversa em casa. Como eu e o meu irmão ainda éramos menores, os meus pais não costumavam falar destas coisas à nossa frente. Mas na Escola Preparatória Rafael Bordalo Pinheiro, onde estudava, esta rebelião foi bastante falada, e até ficcionada, pela imaginação fértil das crianças de onze e doze anos, que têm sempre um fascínio especial pelas histórias de “guerra”, entre os bons e os maus.
Um dos meus melhores amigos, filho de um militante do PCP, facto que desconhecia na época, contou-me, quase como se fosse um segredo de estado, que o pai tinha estado nesse dia com alguns amigos, no Avenal, a observar à distância as movimentações dentro e fora do Quartel. Munido de binóculos assistiu à saída e entrada de viaturas militares, assim como das forças da autoridade.
Felizmente, quarenta dias depois, a Revolução saiu mesmo à rua e não foi rebate falso.
Militares vindos de várias regiões do país invadiram a Capital e ocuparam os lugares estratégicos da cidade. As dúvidas iniciais dos “Capitães de Abril” transformaram-se em certezas, graças ao apoio popular de milhares de pessoas, que surgiram de todos os lados, de uma forma completamente expontânea, para dar vivas à Revolução e à Liberdade.

12 comentários:

maria disse...

Luís,

não sei se recebes a Gazeta...acabo de receber e vejo com agrado que vão acontecer algumas iniciativas alusivas ao acontecimento 16 de Março. Entre elas uma exposição a inaugurar amanhã, no hospital

Maria disse...

O princípio do 25A?
Seria?

Foi pretexto para nos reunirmos em casa e conversar (com muito cuidado, ainda, na altura) sobre o que se passou...

Franky disse...

Foram tempos muito controversos! Muita coisa se passou que nós nem sonhávamos que pudessem acontecer. Preparar o caminho para o 25 de Abril, por exemplo! Acho que as coisas estão a cair todas muito no esquecimento.

Vladimir disse...

O que é para si o destino?

Luis Eme disse...

Recebo MC...

Gostei particularmente de um texto de um deputado municipal que não conheço (Fernando Rocha), que desvenda o mistério de tanta fartura, na comemoração da "capicua" 33...

Luis Eme disse...

Não sei se foi apenas o princípio... ou o meio.

O fim foi de certeza o 25 de Abril, Maria, por muitas ilusões que se tenham perdido no tempo...

Luis Eme disse...

Pois é "Cafezinho", a bica quando fica á espera, arrefece...

Temos ficado demasiado à espera... de qualquer coisa, de preferência, boa...

Luis Eme disse...

Vladimir já está tratado o "destino"...

Ida disse...

Somos mesmo uma raça com um certo discurso de imobilidade como o velho do Restelo, ou de espera vã, como a viúva do Barco Negro. Mas a Revolução dos Cravos foi algo tão especial que, mesmo neste Brasil, tão distante e esquecido (ou que se quer esquecido), ainda é uma referência e o foi em música do Chico por exemplo, da época. E, por mais que os preciosistas digam, acho q as imagens do filme da Maria Medeiros deviam ser exibidas aos quatro cantos do mundo, pra não deixar arrefecer o entusiasmo e os sonhos e desconstruir a espera, transformando-a em ação.

Adorei saber que houve uma prévia, ainda que falhada, preparou corações e mentes para o que veio a seguir. E na tua terra!

Luis Eme disse...

É verdade Ida, houve uma primeira tentaiva de golpe, através dos militares do quartel das Caldas. Quem diria, logo na minha terra que continua a ser "ultra-conservadora", em tantas coisas...

Há uma frase curta que acaba por simbolizar a liberdade de todos nós, e que nunca devemos deixar de dizer: «25 de Abril Sempre!»

Anónimo disse...

Desde 1974 que tenho mantido silêncio sobre o que realmente aconteceu na noite que antecedeu a madrugada de 16 de Março no então RI5 onde me encontrava a cumprir o Serviço Militar Obrigatório como Furriel Miliciano.
Com alguma naturalidade e curiosidade tenho vindo a acompanhar ao longo destas décadas grande parte daquilo que se tem dito e escrito sobre o "Movimento das Caldas". Desde coronéis entendidos, a leigos na matéria, mas que pretendem fazer algum "figuraço" académico através da exploração de um momento histórico, muito se tem dito e escrito tal como acima o referi, mas também algo se tem omitido, outras coisas deturpadas, até ao ponto de "deitarem por terra" a imagem dos militares do então RI5.
Esclareça-se desde já que, os comandos militares de então eram homens experientes na guerra de África e a preparação dos soldados, sargentos e oficiais não era nem nunca foi descurada, ao ponto de poder ser considerada a par da preparação das forças especiais da época. Considero, por exemplo, ridícula uma peça que saiu num jornal diário há cerca de um ano, onde se focava o mau tempo e as transmissões/comunicações, como um falhanço do movimento.
Esta é uma defesa que caberia por inteiro aos senhores (hoje) coronéis, nessa altura capitães e alguns majores, mas que até à data ainda não parece ter sido feita, tão preocupados que têm andado com o seu "ego" nas sucessivas andanças do falatório sobre o 16 de Março e o 25 de Abril.
Claro está que muitos olharão para este comentário com desdém, porque pensarão tratar-se de mais um qualquer que quer protagonismo, mais ainda sendo na altura sargento miliciano. Bom, para aqueles que assim pensarem quero dizer-lhes o seguinte: era o responsável por todo o parque auto do Regimento de Infantaria 5, foi-me pedida colaboração e silêncio por um grupo de capitães, meses antes do "golpe" numa reunião realizada na então companhia de "Formação", comandada pelo agora saudoso Capitão Gil. Mais tarde voltei a ser chamado para lhes fazer o "ponto da situação", tendo-lhes dito que tudo estava tratado e todas as viaturas estavam operacionais.
Também comandava a então Polícia da Unidade devido ao seu comandante efectivo estar de férias (era um tenente cujo nome não irei aqui divulgar) e nessa noite decidi aumentar o meu envolvimento oferecendo-me para vir com a coluna. Foi-me atribuído o comando de um pelotão de açorianos com objectivos militares claros e precisos, mas alterados duas vezes antes da célebre saída.
Antes de sair incumbi o graduado mais antigo colocado na Polícia Militar da Unidade de exercer o comando na minha ausência.
E é aqui que começa a "outra verdade" até agora não vinda a público mas que poderá ser embaraçosa para algumas pessoas; antes de sair comentei para alguns camaradas de armas, utilizando mais ou menos estas palavras: "só vou na coluna porque mantenho a minha palavra. Isto está arrumado, porque depois de ver e ouvir o que e passou junto ao comando e junto ao telefonista, não acredito que isto vá avante."
O que será que então se passou nesse local? Referirei apenas que deverá constar um telefonema de uma alta patente do exército da Região Militar de Tomar e que pretendia falar com o comandante do regimento, que na altura se encontrava já preso. Quem atendeu e o que disse? Eu sei porque estava lá para deixar uma mensagem para ser lida aos meus pais pelo telefonista às 7.00 horas do dia seguinte e porque fui eu quem chamou essa pessoa que vinha por acaso no corredor do comando. Apenas direi que o que ouvi da boca dessa pessoa me deixou estarrecido.
Lamento que, até agora, alguns dos coronéis a quem confidenciei o facto na primeira comemoração do 16 de Março de 1974 apenas tenham demonstrado surpresa e apreensão, tal como o demonstrou o comandante da coluna o então capitão Ramos, agora Coronel, numa conversa que tivemos ainda não há muitos meses.
Tal como lhe disse então, o "golpe" das Caldas teve certamente coisas "esquisitas" e este episódio foi sem dúvida uma delas.
Para os mais cépticos aconselho a que consultem a documentação existente (se ainda existir) os contactos telefónicos e relatórios de então, sobretudo no espólio da PIDE/DGS e sobretudo o que se passou em matéria de telefonemas nessa noite de 15 para 16 de Março nas Caldas da Rainha. Irão certamente ter uma surpresa e perceberão o porquê das minhas reticências em sair para Lisboa. A palavra conta muito e ali nas Caldas da Rainha, quase a par da família, foi onde elegi princípios complementares dos muitos aprendidos no seio familiar. Por isso e pelo respeito que me merecem os homens de então e a memória de alguns outros entretanto desaparecidos, penso que a parte da verdade ainda "oculta" deverá ser conhecida. Esta é uma forma de honrarmos o dia 16 de Março de 1974 e todos os homens que nele participaram a bem de um "Novo" Portugal.

Carlos Ferraz disse...

Olá Rui
Prazer em rever-te após todos estes anos.
Eu era também militar naquele Regimento, 1.º Cabo escriturário na Sec. Regimental.
Naquele dia não estava lá, pois encontrava-me de baixa ao hospital de onde regressei dois dias depois, mas conhecia grande parte dos intervenientes e vivi o espirito do Regimento imediatamente antes e depois dos factos.
Tenho acompanhado o mais possível os eventos e comemorações relativos ao acontecimento, e também me restam muitas duvidas e incertezas por me parecer que algumas pessoas escondem pequenas verdades pessoalmente incómodas.
Foi recentemente publicado um livro acerca do 16 de Março de 74, que ainda não acabei de ler, mas onde faltarão certamente muitas dessas pequenas histórias que fazem com que a história vivida seja muitas vezes diferente da história contada.
Quantas vezes o "herói" não é mais do que o individuo que estava "no local certo à hora certa" mas com objectivos bem diferentes?
Isto reforça a minha ideia de que, na maioria dos casos, "metade da informação é mentira e a restante para duvidar".
Resta-nos o orgulho de os nossos actos terem contribuído para a evolução positiva da história deste nosso pequeno país, ainda que os mesmos tenham surgido de forma perversa e com objectivos menos claros.
Mais importante do que a forma como se prepara a massa, é o sabor do pão.
Um abraço