O fumo dos Vapores do Tejo, visitados no “Casario”, levou-me para outras paragens, mais exactamente para Salir de Matos, para a casa dos meus avós maternos...
Estes “fumos” lembraram-me que os avós sempre utilizaram a lenha como combustível, para fazer comida, cozer pão ou aquecer a casa (um aquecimento pouco central...). O pequeno fogão a gás era utilizado apenas para coisas menores, aquecer água para fazer café ou chá, ou ainda para estrelar um ovo. De resto, pouca utilidade tinha...
Além de aproveitarem os bocados de madeira das árvores e das cepas das vinhas, podadas no fim e no princípio de cada ano – num tempo em que tudo era “reciclado”, ou seja bem aproveitado, porque a fartura é coisa recente, mais dos nossos dias... – havia ainda outras fontes de armazenamento...
Durante as férias grandes do Verão visitávamos os pinhais das redondezas, onde enchíamos sacas de caruma, pinhas e bocados de troncos caídos, que eram óptimos para atear o fogo (eram as acendalhas daquele tempo...).
Eu adorava estes passeios pelos pinhais, na companhia dos tios e do meu irmão. Claro que muitas vezes, transformávamos aquela tarefa numa “batalha de pinhas”, escudados atrás dos pinheiros e com a cumplicidade dos tios, que só nos faziam parar, quando a “guerra” se tornava demasiado perigosa e as pinhas iam ganhando cada vez mais velocidade...
Como tudo mudou, quase num abrir e fechar de olhos.
À distância de mais de trinta anos, ainda sinto o perfume da lenha e olho as labaredas fortes, a chegarem ao cimo do fumeiro.
Quantas vezes me entretinha a atirar bocados de madeira, para manter o fogo bem aceso, e ouvia a avó dizer, em jeito de aviso: «os meninos que brincam com o lume fazem chichi na cama».
19 comentários:
A saudade, as memórias da infância... sou pequenina, mas também tenho saudades... de andar no baloiço ao pé da casa da minha avó [em Almada], um baloiço que já não existe e onde o meu pai me empurrava com força... dava sempre um pontapé no céu quando andava no baloiço!
Algumas das tuas estórias têm o condão de me fazer recuar no tempo. Mesmo. E já te tinha dito.
O lume no fogão a lenha, a braseira no inverno, e o cheiro especial da comida feito naquele fogão... e do pão cozido em forno de lenha...
Esses cheiros todos, Luis, eu tenho-os na memória e ainda me passam, de vez em quando, pelo nariz...
Um beijo
Quem é que não brincou com lume na meninice e escutou a cantilena do chichi na cama?
És um espanto Luís. Consegues contar uma história, com coisas tão simples e tão reais.
E as torradas que a avó fazia à fogueira, espetando a fatia de pão com um garfo, mantendo-a em equilíbrio e virando-a para ficar tostadinha dos dois lados?
Depois punha um fio de azeite, açúcar e ficávamos todos lambuzados!
Pensei nestas torradas num dia destes e estive mesmo para falar delas nas minhas "ventanias"!
Também era assim lá em Salir de Matos?
Sabes, Luís, gosto muito de vir aqui ler as tuas estórias. Consegues fazer-me reviver momentos, que eu pensava, que estavam bem lá no fundo esquecidos.
Lembro-me das merendeiras com chouriço, feitas no forno de lenha, especialmente para os netos. E as batatas a murro? E as cebolas "assadas"?
Também me lembro das torradas como as descreve a Rosa dos Ventos....
Instintivamente lambi os lábios....
Beijinho
Não é preciso sermos muito grandes para termos memórias Tejina...
Também guardo na memória todos estes cheiros e sabores, Maria...
POis é Alice, parece que todos brincámos com o lume...
Era assim em Salir de Matos e em todo o lado, Rosa...
E tinham razão as "velhas"... Zé do Carmo.
Eu também gosto muito das tuas visitas, Ana...
Passei por aqui hoje pela primeira vez. Prendeu-me a grande qualidade dos textos, a riqueza de um conteúdo que logo à primeira leitura me surpreendeu, me ensinou algumas coisas e me talvez até me venha a fazer estar mais atenta a certos pormenores da vida, da sociedade e da sua evolução. Gostei muito. Obrigada por este bocadinho! Quando puder, voltarei.
Gostei de te ver por cá Tikka.
Também passei pelos teus "cantos" e estou de acordo contigo, a blogar é que a gente se entende...
Ai, Luís, que delícia de relato. Sö agora o li, pois sabia que ia precisar me deixar levar por ele. Muito diferente do post sobre o João, mais objetivo. Este mexe com coisas q viveste e q nos fazes viver vicariamente, misturadas que ficam às nossas próprias memórias. Cheguei a sentir o odor das pinhas queimando em lareiras queridas que, talvez, não veja mais. E amei a fórmula de angariar recursos para as fogueiras, muito adaptada pelos operários... Delícia mesmo de texto, Sr. Luís! Beijos do sul.
Olá Ida.
Essa história de não voltares a sentir o odor das pinhas, quer dizer que por aí não há pinhais nem pinhas?
Também quer dizer que não voltas à nossa "Europa"?
E esta? Sr. Luís? Baahh!
Beijos de aqui, rente ao Tejo.
Não sei, Luís. As pinhas queimando ao lume, ou ajudando a acendê-lo, são parte da memória de tempos q, acho, já não voltam. Há tempos tive uma família maior e mais unida e amigos de meus pais espalhados de Trás-os-Montes até o Centro. Hj, tenho amigos (preciosos) que fiz por mim mesma, espalhados até o Alentejo, mas não há mais lume de verdade nas casas. E a família, vem se diluindo em afastamentos e funerais. E esta última viagem, por razões variadas, deixou-me com a sensaçào de que tardo a voltar. Desculpa tanto detalhamento em um simples comentário. Mas a culpa é tua, que perguntaste. :)
Qto ao "Sr. Luís", foi só para enfatisar a qualidade q reconheço nos teus escritos... beijos, querido Luís, aqui, rente ao Atlântico Sul, à espera que os meus queridos portugueses retomem a vocação ancestral e voltem a fazer a rota das caravelas.
O teu comentário, Ida, diz-me apenas que não sabemos quase nada uns dos outros...
Sentimos empatia uns pelos outros, quase apenas pelas palavras que trocamos...
Agradeço as palavras elogiosas, ao tal senhor.
Segundo os dados turisticos das operadoras, os portugueses estão a retomar, aos poucos, a "rota das caravelas"... pelo que...
Sim, mas as caravelas, agora, limitam-se a aportar em terras pre-determinadas, com muita mata e praia, mas que seja a hospedagem em resorts bem guardados, a salvo da vida real, de modo a evitar as cidades q têm fauna duvidosa.
É como se os portugueses dissessem: "rejeito aquilo q, por caminhos transversos, resultou do q deixamos, queremos, novamente, o bom selvagem e seu entorno"... às vezes, chega a ser ridículo o discurso de algumas pessoas que vão para Pipa (Rio Grande do Norte) ou algum lugarejo da Bahia.
Mas aínda há os que mantêm características da velha estirpe e se entregam ao contato indiscriminado com as cidades q guardam a história desta terra.
Sim, Ida, os tempos hoje são de maior selectividade. Os marinheiros de ontem já não encontram o "paraíso" de outros tempos nem querem aventuras perigosas... querem sossego, sol, água morna e cristalina...
Claro que há sempre quem queira descobrir coisas, por conta própria... mas são cada vez menos.
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