quinta-feira, novembro 30, 2006

Pausa para o Almoço



Lembro-me de a avó fazer o almoço para o avô, meter tudo numa cesta, tapadinho por um pano e levá-lo à cabeça, até à fazenda, onde ele estivesse a trabalhar.
Acompanhei a avó algumas vezes, nestas viagens, quase sempre enebriado pelo cheiro dos petiscos que fazia, para dar energia ao seu homem.
Quando chegávamos, eu olhava com enlevo para a comida e o avô sorria e acabava por a partilhar comigo. A avó não achava piada e chamava-me guloso, que já tinha almoçado, etc, mas aquele cheiro do farnel era mais forte que eu...
Recordo-me, que às vezes o meu pai também ia trabalhar para fora e levava almoço. Quando ele chegava adorava rebuscar a sua mala, à espera das sobras. A mãe fazia muitas vezes carne panada, e lá estava eu à espera de um panadinho...
Pois é, os petiscos são uma coisa fabulosa, especialmente os cheiros...
O óleo que ilustra este texto é a "Sesta" de José Malhoa, mas como este momento de descanso, está acompanhado da cesta do farnel, acabei por a escolher...

terça-feira, novembro 28, 2006

Salir de Matos na História



Hoje vou falar de um livro, que considero extremamente importante em termos históricos. Encontrei-o ocasionalmente num alfarrabista do Bairro Alto, e embora não refira o seu preço, acrescento que foi o livro que me custou mais dinheiro nestas minhas visitas pelas casas repletas de livros amarelados, com tantas histórias para contar, se falassem...
Tem o título, "O Concelho das Caldas da Rainha, Monografia Sanitária", e é da autoria do Dr. António Sampaio Madahil.
Claro que as coisas que achei mais curiosas, dizem respeito à minha Aldeia. Fiquei a saber por exemplo que Salir de Matos teve foral manuelino a 1-X-1514 e foi concelho. Este foral foi atribuído porque Salir era um povoado com sólidas e remotas tradições de existência (segundo o autor...).
Mas o que achei mais curioso (e ainda não tive tempo de confirmar...) foi que Salir de Matos é de antiga origem e de fundação romana, como se depreendeu de uma lápide com uma inscrição romana encontrada pelo Dr. Emilio Hubner, um sábio alemão que menciona este achado na sua obra "Notícias Arqueológicas de Portugal".
Por tudo o que tenho descoberto, esta obra editada em 1956, valeu o preço...

sábado, novembro 25, 2006

O Meu Mar do Oeste



Sempre ouvimos dizer, que depois da tempestade vem a bonança... e é verdade. É por isso que sabe bem ir ver o mar, depois de muita chuva e muito vento. Quanto mais não seja para lhe dizer olá e ver se não mudou de sitio...
Muitas vezes olho para as águas do Tejo e penso no meu Mar do Oeste. Ele é especial. A rebeldia, o ar selvagem, o perfume salgado, o jeito travesso com que responde às nossas perguntas, são únicos...
Vou mais longe e digo, que o meu Mar é um poema à vida...
É difícil dizer onde começa e acaba este Atlântico sublime e indomável. Penso que se forma ainda perto de Lisboa, na Ericeira, e vai subindo, pelos menos até à Nazaré. Mas é nas proximidades do Cabo Carvoeiro que assume toda a sua plenitude.
Mas é na minha Foz do Arelho, que ele pulsa mais forte...
Até mesmo os seus nevoeiros matinais, conseguem-se envolver com o nosso estado de espírito (isto do nevoeiro não é coisa de D. Sebastião, como nos querem fazer crer, é mais antigo, se calhar até já vem dos tempos de Viriato e da Lusitânia)...

Quando escolhi este óleo de Fausto Sampaio, "Berlengas", lembrei-me da Maria e do seu perfume (cheiro) a Mar...

terça-feira, novembro 21, 2006

Uma Tarde a Caiar



Uma das últimas tarefas que eu e o meu irmão fizemos em Salir de Matos, foi caiar as paredes dos páteos e das traseiras da casa, a pedido da avó.
Isto já se passou há uns doze, treze anos.
Lembro-me que foi um dia bem passado. Até porque há muito tempo que não passava o dia inteiro com o meu irmão, a falar de tudo aquilo que tinhamos em comum, desporto, amigos, família, etc.
Almoçámos com a avó... já não me lembro da ementa, mas foi delicioso.
Quando nos despedimos da avó, ela não cabia em si de contente, por ver as paredes todas branquinhas. Nós também estávamos satisfeitos, pelo dia bem passado na nossa aldeia e pela alegria da avó.

domingo, novembro 19, 2006

A Minha Primeira Viagem à Margem Sul



Não me canso de dizer, que a nossa memória é uma coisa surpreendente!
Consigo recordar-me da primeira vez que visitei a Margem Sul, embora não tivesse mais de cinco, seis anos.
Lembro-me de atravessar o Tejo de Cacilheiro, de ter feito a viagem à janela, ao colo do meu pai. E mais, recordo que os bancos eram de madeira, envernizados...
Não me lembro da maneira que fomos até ao Cristo-Rei (provavelmente fomos de táxi, não estou a ver o meu pai à procura de uma carreira que fosse até ao Santuário...).
Lembro-me sim, de estar naquele sitio alto e olhar cá em baixo para o rio Tejo e descobrir os barcos muito pequeninos, como se fossem de brincar... da estátua do Cristo de cimento, lembro-me mais de o olhar cá de baixo. Lá em cima, a sua grandeza deve-me ter confundido.
A Ponte tinha acabado de ser inaugurada, mas não retive qualquer imagem desta passagem de tão grande utilidade para a Outra Margem...
Quem diria, que desta vez as minhas "viagens" escaparam do Oeste e vieram até à Minha Margem...

quinta-feira, novembro 16, 2006

A Força da Água



No Outono e no Inverno, com a queda das primeiras chuvas, os rios e ribeiros enchem-se de água e transmitem-nos a sua verdadeira força e plenitude. Os seus leitos adquirem uma correnteza pouco habitual, que promete levar tudo aquilo que lhe surge à frente, inclusive nós.
A água sempre exerceu, e exerce, um fascínio especial para as crianças. Lembro-me de brincar, com o meu irmão e outros amigos de infância, junto a pequenos ribeiros transformados em rios com a queda das chuvas. Uma das brincadeiras era atirar objectos (normalmente paus e pedaços de canas que flutuavam, mas também barcos construídos de cascalho e até de papel - muito pouco resistentes...) para o seu leito, com os quais fazíamos corridas, a ver quem é que chegava primeiro a determinado local...
Não medíamos o perigo, como convém nestas coisas, mas também não me lembro de ver ninguém ser levado pela correnteza das águas.
Esta brincadeira também chegou a ser transposta para a ponte do Rio Salir que passa na minha aldeia. Atirávamos objectos para a água de um dos lados da ponte e depois corríamos para o outro lado para ver qual chegava primeiro...
Era uma aventura ainda mais perigosa, porque atravessávamos a estrada sem olharmos atentamente, se vinha algum carro, embora nesse tempo existissem poucos automóveis nas redondezas...
Estas brincadeiras de criança, não se podem, de maneira nenhuma, aproximar da irresponsabilidade dos adultos, que constroem as suas casas demasiado próximas dos leitos dos rios, acabando vitimas da força das águas, especialmente em anos de muita chuva...
Este texto está ilustrado com a "Ponte de Guifões", um óleo de António Ramalho, pintor contemporâneo de Malhoa.

segunda-feira, novembro 13, 2006

A Matança do Porco


Uma das aventuras memoráveis de Salir de Matos, a minha aldeia, era a «matança do porco», normalmente, um bicho enorme que metia respeito.
Antes de termos idade para descer para o palco onde se desenrolava o espectáculo, eu e o meu irmão, assistíamos àquele ritual emotivo, debruçados no muro do pátio.
Consigo vislumbrar, passo a passo, toda a acção. Primeiro enlaçavam-lhe uma das patas, depois desequilibravam-no, para de seguida agarrarem-no em peso e colocarem-no em cima de uma bancada de madeira, previamente preparada para a «festa» da matança. Meia dúzia de homens seguravam-no numa roda viva, perante a sua chiadeira interminável. Atavam-lhe a boca, para o porco não ter o capricho final de morder em alguém, e depois, o avô dava o golpe final, espetando-lhe uma espécie de espada, próximo do cachaço, certeira, para lhe evitar mais sofrimento e para que sangrasse.
O próximo acto era a «queima do pelo». Completamente embrulhado em caruma e molhos de vides, lançavam-lhe fogo deixando-o todo chamuscado. De seguida, lavavam-no e raspavam-lhe o pelo com navalhas e bocados de telha, até ficar, branquinho.
Após esta operação quase de cosmética, o bicho era levantado em peso e pendurado na adega, onde era aberto ao meio, tendo como «rede» um alguidar enorme, usado para aproveitar o sangue para os enchidos.
Hoje compreendo o porquê da criação do porco em quase todas as famílias, por mais modestas que fossem. Há um aproveitamento quase total de tudo o que compõe o seu corpo, desde o toucinho aos enchidos, passando pelos vários tipos de carne.


Escolhi para ilustrar este texto uma iluminura do Livro de Horas de D. Manuel I, do século XVI.



sábado, novembro 11, 2006

São Martinho



O dia de São Martinho é tradicionalmente uma data festiva, com a realização de magustos um pouco por todo o país. As castanhas assadas costumam ser regadas com água pé caseira, num ambiente de alegria, ao qual não falta música, conversas e até anedotas, pela noite fora.
Ainda hoje é assim...

Escolhi para ilustrar este pequeno texto o famoso quadro de José Malhoa “Os
Bêbados”, também conhecido por “Festejando o São Martinho”.

quinta-feira, novembro 09, 2006

As Estórias do Avô



Uma das coisas inesquecíveis da minha infância foram as estórias com cheiro a lenda que o avô nos contava, deixando-nos deliciados a ouvi-lo, sentados na escada de cimento que dava para a casa de fora, ao lado do forno.
Havia um pouco de tudo, desde cobras voadoras que sobrevoavam as fazendas, ao homem que aparecia dentro da lua, quando ela estava completamente cheia, com um molho de vides às costas. Segundo o avô, tratava-se de um sujeito que tinha sido apanhado a trabalhar ao domingo e acabou por ser transportado para a Lua pelo Deus dos cristãos, para que servisse de exemplo aos homens da terra de que era proibido trabalhar ao domingo, dia santo.
Geralmente, estas conversas eram interrompidas pela avó, que tinha um jeito especial para quebrar todo aquele ambiente de magia, criado à volta do avô.
Ela nunca percebeu a importância das estórias e lendas na vida das crianças, sempre foi, exageradamente, real.
E claro que também havia ali um pouco de ciúme, compreensível...



A foto que ilustra este texto é dos meus avós maternos, Manuel e Henriqueta, com os netos (falta o João, que ainda não tinha chegado de "França", no bico de uma Cegonha...).

terça-feira, novembro 07, 2006

Quando se Vivia sem Dinheiro...



Claro que há algum exagero neste título.
Mas se recuarmos no tempo (penso que cinquenta anos bastam), descobrimos um país rural, em que na maior parte das aldeias, muitas das transações eram feitas troca por troca. Ou seja trocava-se um quilo de batatas por meio quilo de maças.
Eu já tinha falado anteriormente neste sistema de trocas em relação à farinha moida nos moinhos, que era trocada pela matéria prima (grãos de trigo e milho).
Foi por isso que escolhi a fotografia do francês Jean Dieuzaide, "Estrada de Mafra", para ilustrar este texto. Como podem ver é uma imagem tipicamente saloia, onde se vê o Moinho a trabalhar com a ajuda do vento, uma senhora carregada com uma canastra e um aldeão montado no seu burrito, provavelmente a caminho de casa...

domingo, novembro 05, 2006

A Cor dos Dias



Nas últimas semanas o estado do tempo tem estado completamente irregular.
O azul dos dias solarentos tem alternado com o cinzento dos dias chuvosos. Mas tem sido tudo muito excessivo. As temperaturas demasiado altas para esta época têm feito o contraponto com a queda de grandes chuvadas, que têm provocado inundações de Norte a Sul, algumas das quais em lugares pouco habituados a tanta água...
Percebe-se que as nossas divisões climáticas em quatro estações distintas, começam a ficar confusas e a pedir alguns ajustamentos, pelo menos no seu início e fim...
Claro que estas alterações não são de hoje, embora sejam mais notórias nos últimos anos, porque as agressões à natureza têm sido de uma barbaridade extrema, em algumas partes do nosso Planeta (a destruição da floresta da Amazónia é um dos melhores exemplos), em nome do nosso conforto, do progresso dos países e do lucro do grande capital.
Lembro-me de ouvir o meu avô dizer que, desde que o homem foi à Lua, as coisas nunca mais foram iguais nos campos. Ele já notava algumas variações na época das sementeiras e das colheitas, com os prejuizos inevitáveis...
Claro que eu não vou tão longe.
Este texto está ilustrado com o óleo, "Inundação da Ribeira de Santarém", de José Malhoa.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Que Saudades do Pão da Avó...



Hoje, sem saber explicar muito bem porquê, lembrei-me de uma coisa maravilhosa: da minha avó a cozer pão no forno. Pão que tinha aquele gosto especial, que não conseguimos encontrar nas várias imitações do pão caseiro, que se vão vendendo por aí.
A própria farinha ainda vinha dos moinhos de vento, através de um processo de troca por troca, que já não existe. O avô trocava alguns alqueires de trigo por sacos de farinha já moída.
A avó fazia sempre umas brandeiras (pãozinhos pequenos) que partia a meio e polvilhava com açúcar amarelo quando ainda estavam quentes e que ficava imediatamente derretido no pão e era uma delícia...
Mas havia mais. Comer o pão ainda quente com manteiga, que também ficava completamente derretida, era outra delícia...
Tenho saudades do cheiro da lenha, de ver a minha avó de volta do forno com um pano branco a cobrir-lhe a cabeça, com aquela espécie de pá com que tirava o pão (à Padeira de Aljubarrota), quando já estava bem cozido, nas mãos... e de ficar alí, à volta do forno, à espera do meu "bolo", juntamente com o meu irmão e os primos...
Às vezes a avó até deixava que fossemos nós a fazer o nosso pequeno pão, com aquela massa de farinha, que se colava aos dedos...
Infelizmente nessa altura não se tiravam muitos retratos, pelo que não tenho qualquer fotografia deste episódio tão memorável. Para ilustrar estas palavras socorri-me de uma imagem de Jean Dieuzaide, um fotógrafo francês que nos visitou nos anos cinquenta e deixou excelentes fotografias do Portugal de então.