terça-feira, dezembro 30, 2008

Mais um Ano que Voou...

Um dos primeiros sintomas de que já não vamos para novos, é a sensação de que à medida que os anos vão passando, os dias, as semanas e os meses vão-se encurtando, tornando tudo o que nos cerca mais curto...
Até a passagem de ano se vai esvaziando de sentido, como se quiséssemos parar no tempo. Mas as máquinas que param, voltam para trás e para a frente, só existem nos filmes...

E agora ainda é mais complicado fazer previsões... parece que estes economistas, burlistas, fantasistas, socialistas, etc, além do dinheiro, do emprego, também nos querem roubar os sonhos...
2009? Será no mínimo, mais um daqueles anos curtos...
Valha-nos a "terapia" de Magritte...

sábado, dezembro 20, 2008

O Natal do Nosso Contentamento

Ainda no serão de quinta-feira ouvi várias pessoas a culparem o Natal por não terem tido presentes, uma árvore ou um presépio, na infância...

Falavam com tristeza e mágoa.
Felizmente para mim o Natal sempre foi uma época de paz e alegria, desde que me lembro, mesmo sem a existência de farturas.
Na minha meninice não havia o pai natal, mas sim, o Menino Jesus. Era ele que descia pela chaminé e colocava os presentes no sapatinho...
Claro que nem eu nem o meu irmão, pequenotes, ficámos muito convencidos com esta história, até porque a chaminé era muito estreita...
Nessa altura também não fazíamos árvore de natal. Fazíamos sim o presépio, com muitas figuras e musgo, retirado dos pinhais que rodeavam o Bairro dos Arneiros...
Provavelmente sou capaz de me estar a repetir, porque as "Viagens" já vão no terceiro natal, e as histórias dos meus natais no Oeste, foram assim...
O que sinto na actualidade, é que se não tivesse os meus dois filhotes, passava um pouco ao lado de toda esta atmosfera consumista, que mesmo de bolsos vazios não consegue dar tréguas à "crise".
E para terminar, desejo-vos a todos Festas Felizes.
A pintura escolhida é de Rafael, "La Belle Jardiniére", do século XVI, pelo simbolismo, uma mãe atenciosa e protectora com as suas duas crianças, como foi e é a minha mãe (e todas as mães, claro).

terça-feira, dezembro 16, 2008

Padre Felicidade Alves Recordado

O Centro de Reflexão Cristã e o Centro Nacional de Cultura organizaram ao fim da tarde de hoje, na sede da instituição cultural, uma reunião de convívio e de reflexão, evocativa da vida e obra do padre Felicidade Alves.
Usaram da palavra, Guilherme de Oliveira Martins, que abriu e encerrou a sessão, na qualidade de presidente do Centro Nacional de Cultura, Manuel Vilas Boas, jornalista, Frei Bento Domingues, Diana Andringa, jornalista, José Luís de Matos, editor e João Salvado Ribeiro, um dos organizadores desta homenagem.
Antes das intervenções foi visionada uma fotobiografia e alguns acervos documentais, da Fundação Mário Soares. Mas o melhor viria depois, com o som de uma entrevista que deu à TSF, a Manuel Vilas Boas - foi bom ouvir a voz do Padre Zé, com bastante clareza e ironia, por vezes com algum sarcasmo - no dia do seu casamento católico, em que foi feita a reconciliação possível com a igreja e ainda as imagens de um pequeno filme da celebração convival realizada em Vila Franca de Xira, num monte, depois da realização do seu casamento civil, nas Caldas da Rainha, no primeiro dia de Agosto de 1970...

O tempo passa mesmo rápido. Esta bonita homenagem coincidiu com o décimo aniversário (e mais dois dias...) do seu desaparecimento...

domingo, dezembro 14, 2008

Afinal a Porta Estava Aberta...

[...] Victor não consegue, nem quer, esconder o fascínio sentido pelas recordações que surgem, quase em catadupa, como se alguém as soltasse de qualquer arca enorme, quase do tamanho da do velho Noé.
Foi o que aconteceu quando passou a uma velha porta fechada, familiar. Aproximou-se e espreitou para lá das vidraças, à procura de um sinal de vida daquele lugar especial.
Ainda haviam nas paredes restos de fotografias de jornais, descoloridas pelo tempo, entre pilhas de pele e formas de sapatos cheias de pó e teias de aranha que enchiam as prateleiras e a mesa de trabalho do bate-sola.
Era mesmo a antiga oficina de sapateiro do senhor Silvino Bastos, conhecido na vizinhança como «Bigode de Arame», por possuir um bigode espantoso, que esticado, devia ter mais de quarenta centímetros.
Aquela casa, apesar do seu tamanho diminuto, fora o palco principal de um homem de pequena estatura, cujo andar à Charlot quase que bastava para o transformar numa figura inesquecível das “fitas sonoras do bairro”. Victor recordou-o com ternura.
Mas o filho do sapateiro era muito mais que uma imitação cinéfila. Joaquim Bastos tinha o dom de contar estórias, ao ponto de deixar qualquer pessoa, mesmo distraída, pasmada a ouvir todos os passos das suas aventuras, aumentadas pela sua imaginação digna de qualquer escritor de novelas.
No bairro todos o conheciam pelo Quim “Meias Solas”, e ficavam suspensos pelas estórias das suas viagens pelo mar fora, com que enchia a oficina do pai e eram o encanto de pequenos e graúdos que se acotovelavam para não perderem qualquer “fio da meada”. [...]
[...] Victor sorriu ao recordar a parede que se situava atrás da porta, semi-escondida dos olhares mais pudicos, onde havia também uma secção das mulheres, em pose provocadoras e sem muita roupa. A maior parte delas vinham da América, recortadas de revistas, que não chegavam a este lado do mar, pelo Quim, quase «como despojos de guerra» das suas viagens emocionantes.
Foi naquela parede «proibida» que Victor descobriu, pela primeira vez, o sorriso único de Marilin Monroe, a rainha de todas as louras.
As jornadas mundanas do Quim, fossem invenções ou não, eram bonitas e extraordinariamente bem contadas.
Todos sabiam que ele era um simples empregado da copa do navio, mas, em troca das suas estórias, deixavam-no ficar com o papel invejado de “homem do leme”.
Depois de abandonar a porta de madeira, cheia de caruncho e fendas, Victor interrogou-se, «o que seria dos senhores Silvino e Joaquim Bastos?...»
Continuou a andar pelas ruas do bairro, entusiasmado em descobrir outros lugares e outras estórias, mas com a certeza de que nenhuma era tão bem contada como as do Quim “Meias Solas” que se passeava com o seu andar inconfundível à Charlot, e que lhe proporcionara excelentes viagens na sua barca de sonhos.


Encurtei esta minha estória publicada no livro de contos, "Um Café com Sabor Diferente", para não se tornar demasiado longa e chata... tudo porque afinal a porta estava aberta, um velho sapateiro ainda resistia ao tempo, na rua "Sales Henriques" (?), próximo da velha ponte da linha do comboio...

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Caldas & Cacilhas

As Caldas e Cacilhas, além de serem as duas localidades onde vivi mais tempo, são também aquelas que conheço melhor. Mas não é por isso que surgem aqui de mão dada.

Surgem de mão dada porque as Caldas também estão presentes no último livro do meu amigo Diamantino Lourenço, que ao referir as várias partidas e passagens por Cacilhas, refere entusiasticamente a Primeira Volta a Portugal a Cavalo, realizada em 1925 e vencida por José Tanganho, um caldense ilustre, que além de corredor de fundo também foi cavaleiro tauromático.
A história deste grande senhor foi registada em livro com mais profundidade pelo também caldense, Mário Lino. A obra chama-se, "José Tanganho na Volta a Portugal" e foi editada pelo "Jornal das Caldas" (de onde retirei a imagem de José Tanganho e do seu cavalo, "Favorito").

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Conseguir Sorrir à Dor

Se há algo raro num ser humano, é a capacidade de resistir à dor e à adversidade, com um sorriso nos lábios, acreditando sempre que amanhã é melhor.

Acho que só conheço mesmo o Alexandre, pai de um dos poucos amigos com o qual mantenho contacto assíduo nas Caldas.

Lembrei-me dele sem uma razão aparente. Recordei-me do nosso encontro no Verão, do seu abraço, do seu sorriso e das suas palavras, sempre condimentadas com um dito espirituoso.
Também troquei algumas palavras com a esposa dedicada, sempre apreensiva com o seu estado de saúde, devido aos muitos problemas que o cercam há mais de três décadas (com dezenas de internamentos e intervenções cirúrgicas) e aos quais responde, presente, com um sorriso e uma vontade indomável de viver, que deve fazer desistir os "anjos negros" de o levarem para o outro lado do mundo...

Gosto muito dele, pelo exemplo que é, e sempre foi. Nunca lhe disse, mas ele é um vencedor nato. No jogo mais ingrato que temos de enfrentar, ele já leva muitas "vidas" de avanço. Quando for "derrotado", vai conseguir sorrir, porque é um vencedor...
O "Flautista" é do Portinare.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Não é Apenas a Paixão pelo Bordalo...

Não é apenas a paixão por Rafael Bordalo Pinheiro, que torna a Isabel uma pessoa especial. Muito menos o facto de ser livreira, pelo menos no sentido comum da profissão.

O que a torna especial é o amor que tem às coisas da cultura, que tanto pode ser uma taça de louça artística, um desenho ou um livro.

A paixão pelos livros faz com que a sua livraria, cujo nome é tão vulgar ("107", imaginem só...), seja já um quase "ex-libris" das Caldas, por ser tão conhecida, pelo menos nos meios literários de Norte a Sul.
Sem a Isabel não existiam os "Cafés Literários", não havia a possibilidade de se escutarem as palavras sábias de tanto escritor, nem a possibilidade de se coleccionar os seus autógrafos (sim, que os livros são um objecto especial, com múltiplas funções, além da leitura...).

Por tudo isto (e por tantas outras coisas), obrigado Isabel, por teres escolhido as Caldas, para lhe dares "banhos" de cultura!

sexta-feira, novembro 21, 2008

Comboios e Pessoas Especiais

Gostei de ler e de ver nas notícias televisivas o ar de satisfação de Manoel de Oliveira, homenageado pela CP, com direito a passadeira vermelha na gare de São Bento, na atribuição do seu nome a um Alfa pendular.

Ele está quase nos cem e continua um bem agradecido a todos, sem se sentir assim tão especial, como devia, pois é um grande cineasta e um grande portuense.
Gosto de o transcrever: «sinto-me profundamente comovido por saber que este comboio (com o seu nome) vai fazer a ligação do Porto para a Régua e o Douro, essa terra prodigiosa e extraordinária da vinha e do vinho.»

Sinto-me feliz por ele nunca ter "emigrado", por se sentir um mal amado, por ter sido sempre mais ovacionado no estrangeiro que entre nós.
Manoel de Oliveira sempre soube que o povo português é o menos culpado do seu défice cultural...

Ele não aparece aqui por acaso, eu adoro viajar de comboio e gosto muito da tão desprezada e esquecida Linha do Oeste...

sábado, novembro 15, 2008

Gatos do Mundo

Continuo com dificuldade em perceber a "humanização" que se tem feito dos animais, especialmente cães e gatos.

Percebo que muitas destas mudanças têm que ver com o papel que os animais adquirem em alguns lares. São quase os filhos que não apareceram, por uma razão ou outra, tendo um tratamento que os faz viverem num limbo, entre o mundo dos animais e dos humanos.
Sempre cresci na companhia de animais. Claro que na casa dos meus pais sempre houve espaço, um bom quintal para os nossos cães andarem à vontade. A avó também sempre teve gatos.
Os cães sempre tiveram o seu espaço no quintal, nunca entravam em casa. A única excepção era a cozinha, onde o cheiro a comida, fazia com que ultrapassassem a fronteira...

Toda esta conversa surge porque a minha sogra sempre teve gatos. Também tem um grande quintal, onde eles andam à vontade e marcam o seu espaço, em vários lugares como a nespereira, polida pelas suas garras. Claro que a porta de casa não lhes está completamente vedada, entram e saem sem crises, quando apanham a porta aberta. Os únicos lugares de acesso reservado são os quartos e a sala de fora.
Foi por isso que me espantei pelo tom de censura aplicado por uma senhora, que falava com ela, por os gatos andarem no quintal e na rua. Teve mesmo o descaramento de lhe dizer que: «Assim não vale a pena ter animais», como se o lugar deles fosse em casa...
Ouvi e calei, porque a conversa era entre mulheres...

Respeito quem pensa que o lugar dos animais é em casa. Não penso assim, mas seria incapaz de dizer que eu é que estou certo e os outros errados.
Mas continuo a pensar que o lugar dos animais é em contacto com a natureza, em espaços onde se sintam em liberdade, onde possam correr e saltar...

segunda-feira, novembro 10, 2008

Bordalo Pinheiro e as Caldas

Rafael Bordalo Pinheiro podia muito bem ser comparado a um "vendaval artístico", que passou pelas Caldas, no final do século XIX, tantas foram as marcas que ficaram. E que felizmente permanecem, mais de um século depois, numa cidade que nunca mais deixou de se afirmar pela arte da cerâmica.
As Caldas continuaram presentes na sua arte gráfica, como é o caso deste número de "pontos nos ii", onde faz eco à inauguração do Caminho de Ferro na então Vila.

terça-feira, novembro 04, 2008

Há Tanto Oeste!

As "Viagens Pelo Oeste", de vez em quando, são motivo de conversa, com algum escárnio à mistura, para variar.

Curiosamente, estava longe de pensar que o Oeste, apesar da proximidade da Capital, fosse quase desconhecido para tantas pessoas, pelo menos como ponto turistico.
Quase todas as pessoas já passaram por lá, mas não se lembram de visitar um museu ou um monumento, com a excepção dos Castelo de Óbidos e Mosteiro de Alcobaça. Algumas até mesmo em relação ao Parque das Caldas, têm apenas uma vaga ideia, um lago, uns peixes e uns patos...
É graças a esta "ignorância", que fico a sensação que muitos portugueses preferem andar centenas de quilómetros para passearem, ou quando o dinheiro abunda, apanharem um avião e partir para parte incerta, onde existam filas de coqueiros e água salgada com vinte e vários graus...
E é tão fácil sugerir uma "viagem pelo Oeste", mesmo num único dia...
Lugares obrigatórios? Alcobaça (Mosteiro); Nazaré (Praia e Sítio); S. Martinho do Porto (Baía); Caldas da Rainha (Praça da Fruta, Parque D. Carlos, Museu José Malhoa, Museu da Cerâmica), Óbidos (Castelo e Vila no seu interior), Foz do Arelho (Mar), Peniche (Cabo Carvoeiro), e fico-me por aqui...

Mas se existem tantos lisboetas que não conhecem os jardins da Gulbenkian, porque haveriam de conhecer o Oeste?

terça-feira, outubro 28, 2008

Recordações da Escola...

Quando vinha com o meu filho e uma amiga, da escola, não pude deixar de sorrir, enquanto ouvia os reparos que faziam em relação aos "marrões" da turma, que segundo eles, tinham mesmo a mania que eram os "maiores", ao ponto de "meterem nojo" (a expressão é deles)...

Lá voltei às recordações de infância, aos meus tempos de escola e também a uma das últimas viagens de comboio que fiz na Linha do Oeste, na companhia de um antigo companheiro de escola do meu irmão.
Ele passou parte da viagem a contar histórias, algumas que sabia e outras que desconhecia, sem nunca esconder a admiração que sentia pelo Vitor...
Percebi mais uma vez a razão de ser tão protegido pelos amigos do meu irmão nos recreios da escola, que me levavam dois anos de avanço. Eles podiam ser muita coisa, mas não eram ingratos...
O meu irmão além de ser um dos melhores alunos da turma, era de uma generosidade pouco usual nos chamados "marrões" (nunca lhe devem ter chamado isso, até porque não era...), além de fazer o seu teste, ajudava sempre os companheiros que estavam dificuldade e que lhe lançavam "SOS's", de mil e uma maneira...
Felizmente ele não mudou muito, com o decorrer dos anos, continua a ser um caso sério de generosidade...
A fotografia é de Robert Doisneau, "E as Horas Nunca Mais Passam"...

terça-feira, outubro 21, 2008

Tenho Saudades do Museu...

Tenho saudades do interior do Museu José Malhoa...

Sei que as obras são sempre assim, vão se aproximando sempre das da Santa Engrácia, na Capital, porque as verbas não abundam na rua dos museus...
Podem argumentar que ele nunca "fechou". Mas isso é quase abusar da minha inteligência, pois o polo provisório que existe no Museu do Ciclismo, está quase a "anos luz" das salas daquele que começou por ser um museu provincial...
Por isso vejam lá se se despacham.

quarta-feira, outubro 15, 2008

As Quintas Misteriosas...

Na minha infância e começo de adolescência ainda existiam alguns lugares cheios de mistério, nos arredores das Caldas.

Um desses lugares era a Quinta da Boneca, rente à Mata da Rainha.
Lembro-me de uma das vezes que a visitámos, termos sido surpreendidos por um "guarda" (seria?) no interior da casa. Fugimos cada um para seu lado, perante a ameaça de uma forquilha, que o tal homem mal encarado, transportava nas mãos...
Recordo que a Quinta nesse época ainda mantinha a sua arquitectura palaciana e os seus jardins, apesar de se terem tornado num matagal, notava-se que deveriam ter sido extremamente belos, nos seus bons tempos. Jardins que também tinham um grande tanque de água, quase uma piscina, também ele todo ornamentado, por um estilo arquitectónico que já não recordo, talvez com ares do neo-romantismo...

quarta-feira, outubro 08, 2008

Os Filmes, os Livros e a Vida...

Todos nós sabemos que há muitas maneiras de se começar ou acabar uma conversa.
Nunca pensei que a nossa se iniciasse com os filmes que já não vemos, naquele reencontro próximo do Chiado.
Quando me perguntaste se ainda ia muito ao cinema, devias saber a resposta... não, claro que não.
Nem sequer me desculpei com os DVD's, com as pipocas ou com as salas minúsculas dos tempos modernos.
Pensar que o cinema foi um bom tema de conversa, para te recordar uma frase que me disseste no começo dos anos oitenta. Foi a primeira vez que me disseram, com convicção, que: «Os filmes são sempre tão diferentes da vida...». Respondi apenas, «alguns...», como tinha sido o caso do filme novelesco que tínhamos acabado de ver, no desaparecido "Estúdio Um", nas Caldas da Rainha, com um daqueles finais felizes que não há...
Ainda insisti, que sempre existiram filmes feitos de pedaços de vidas. Tu abanaste a cabeça, acrescentando: «os filmes são feitos apenas de sonhos ou pesadelos.»
Perguntei-te se ainda era teimosa. Sorriste e disseste que sim, que há coisas que não mudam...
Lembro-me bem da moça que agora é uma mulher madura, e estava ali, a meu lado, desviar a conversa para o mundo dos livros, que podiam demorar meses a serem lidos e nunca apenas a hora e meia a duas horas em que a fita era exibida na sala escura e silenciosa. Eles sim, tinham uma intensidade dramática mais próxima do nosso dia a dia, da vida...
Tu não te lembravas de nada, daquele filme e da nossa conversa.
Eu continuava a pensar que, talvez os filmes não sejam assim tão diferentes da vida. Depende apenas do realizador...
Pois, é que a vida também é feita de sonhos e pesadelos.
Tu sorriste e disseste que sim...

domingo, outubro 05, 2008

Eu Tenho Sangue Vermelho

Hoje é um dia especial, especialmente para quem não tem "sangue azul", como eu.
Compreendo que alguns parentes da "nobreza", mesmo distantes, tenham saudades de alguns titulozinhos, mesmo que estes apenas se ficassem pelo baronato. Até porque há quem não consiga sobreviver sem "criados"...
Acredito que na verdadeira essência humana somos todos iguais. Não é por acaso que nascemos e morremos da mesmo forma, com mais ou menos dor.
Gosto de pensar e de sentir que não sou mais, nem menos, que ninguém.
E como também gosto de pensar pela minha cabeça, agradeço de alma e coração a todos os homens e mulheres que tornaram possível o 5 de Outubro de 1910.

A gravura é de Rafael Bordalo Pinheiro, publicada em 1890, no "Pontos nos ii". Rafael era um Republicano convicto, que não teve a felicidade de assistir à sua proclamação, já que faleceu em 1905...

sábado, setembro 27, 2008

O Outro Lado do Museu


Sei que a maior parte dos visitantes do Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, não passam pelas traseiras do edifício. Acabam por ficar a perder, já que não vêm os bonitos paineis de António Duarte...

Até poderia haver um letreiro em forma de convite, na recepção do Museu, com a informação...

quinta-feira, setembro 25, 2008

Encontros e Desencontros...

Encontrei-me por acaso, com um companheiro de escola, que não via há mais de vinte anos, numa carruagem de comboio. Se ele não se metesse comigo, não o reconhecia.

É engraçado, há pessoas que envelhecem sem mudar muito os seus traços e outras, pelo contrário, transformam-se completamente, como se passassem a ser outras pessoas, tão diferentes daquelas que conhecemos...
Quando as olhamos, notamos algo de familiar. Mas isso é tão vulgar, com a passagem dos anos. Há sempre alguém que nos lembra alguém...
Falámos apenas do trivial, de lugares, pessoas, filhos, porque a estação era logo ali...
Nem sequer trocámos números de telemóvel...

quarta-feira, setembro 17, 2008

Estão Aí as Vindimas...

Desde pequenote que me habituei a percorrer as vinhas do avô. Primeiro a brincar às escondidas com o meu irmão e amigos, depois já com um balde e uma tesoura na mão, a cortar os primeiros cachos de uvas, e claro, desejoso de entrar, lá mais para a tardinha, no lagar, para transformar todos aqueles bagos em vinho, com os pés, numa quase dança milenar...

Não tenho dúvidas de que as vindimas são uma das actividades menos entediantes do campo, até por estarem ligadas ao convívio entre familiares e amigos, quase sempre alegre e brejeiro.
A habitual lavagem de roupa suja, protagonizada pelas mulheres, é quase sempre reforçada por deixas masculinas, próximas da anedota, que deixam toda a gente a sorrir, amenizando o ambiente.
Também é espaço de novidades, quase transformado num jornal de aldeia "cor de rosa", com uma lista enorme de casamentos, ajuntamentos e separações, claro. Também aparece sempre a filha de alguém, que é ou vai ser mãe solteira. O espanto das mulheres é suplantado mais uma vez pela bonomia dos homens, que deitam fora os falsos moralismos de ocasião: «para quê tanta admiração, se até os bichinhos gostam?» E lá voltam as gargalhadas, as anedotas e as histórias de outros tempos.
É por esta razão que um dos meus tios de Salir de Matos, não recusa qualquer convite para participar nesta "festa do vinho"...

quinta-feira, setembro 11, 2008

Recuando Até Agosto

Nos últimos anos tenho assistido a uma das muitas festas de Verão que dão cor a alegria ao mês de Agosto, numa aldeia do interior.

Sou sempre mais observador que actor nestes lugares, por ter dificuldade em perceber a separação que ainda existe de género. Custa-me mais a entender estas divisões por saber que a maior parte dos visitantes da aldeia vivem na cidade.
Uma das coisas que mais me aborrece é que ao homem, esteja destinado o balcão dos bares. Quem como eu, não gosta de beber por beber e que para conversar não tem necessidade de estar com um copo de cerveja ou de caipirinha na mão (parece que é a bebida da moda nestes lugares), sente-se como "peixe", completamente fora de água...
Este fenómeno dá lugar ao outro, não menos curioso. Como a maior parte dos homens estão no bar, o espaço de dança é ocupado maioritariamente por pares de mulheres, de todas as idades, que gostam de dançar.
Numa das noites reparei que estavam a dançar em frente ao palco onze pares e dez eram compostos por mulheres. Quando comentei o facto com um amigo, a observação dele, cingiu-se à alegria do felizardo, por estava a dançar rodeado de tantas mulheres...

A fotografia é de Robert Doisneau, "As Curvas de 14 de Julho" (desculpem este abuso do Robert, mas ele é excelente...).

sexta-feira, setembro 05, 2008

Pérolas na Foz

Um vereador da Autarquia Caldense, de nome Hugo Oliveira, disse umas coisas muito interessantes na "Gazeta das Caldas", que chegou hoje à caixa do correio. Algumas quase que podiam entrar no mundo dos "bivaldes", entre o tradicional berbigão da Foz (interdito no Verão) e as pérolas à Costa...

Em relação ao ruído, tão contestado, disse: «revelaram valores abaixo do limite máximo permitido por lei.» Boa! Desde que estejam abaixo dos máximos, está tudo bem na praia...

Acredita que o Oeste tem potencial para se afirmar como «um novo Algarve» (esqueceu-se foi do éle do Pinho...)

Mas a melhor da reportagem é o facto do senhor vereador assegurar que:«o Verão Foz é um conceito que evoluiu muito favoravelmente, assumindo-se sem dúvida como uma marca e uma referência do Verão do centro do país.»

Com esta conversa e neste país, acreditamos que este vereador poderá ir longe...

A Foz do Arelho e as Caldas da Rainha é que poderão continuar na marcha lenta que se sabe, sem ser preciso ir muito longe, basta comparar com a vizinhança...

quarta-feira, agosto 27, 2008

Aquele Querido Mês de Agosto

O filme português, "Aquele Querido Mês de Agosto", de Miguel Gomes acabou de estrear nas nossas salas de cinema.

O realizador fez o filme possível (o dinheiro era curto...) que anda muito á volta do seu imaginário, das suas férias de infância, das festas que quase todos conhecemos de aldeia, animadas por grupos musicais de baile e também por cantores do "universo pimba".
Não vi o filme pelo que não vou falar dele. Vou falar sim da festa da minha infância, que se realizava em Salir de Matos, e que por acaso também tinha o seu grupo "fetiche", o "Conjunto Jaime Ferreira".
Realizava-se anualmente no começo de Agosto e era o acontecimento mais relevante da aldeia. Penso que todos os meus tios foram festeiros...
Claro que cresci e fui deixando de aparecer... porque os bailaricos de aldeia eram uma coisa pirosa para os "rapazes da cidade"...
Há pouco tempo soube que esta festa já não se realizava. Quis saber porquê. Contaram-me que os responsáveis pelo último ano de festejos não tinham apresentado contas, havendo mesmo suspeitas da falta de honestidade de alguns elementos.
Esta irresponsabilidade acabou por colocar fim a uma tradição de largas dezenas de anos...
Faz-me confusão que os anos passem e Salir de Matos não volte a ter a sua Festa no mês de Agosto, perante a passividade de toda a Freguesia...

sexta-feira, agosto 22, 2008

viagem pelo oeste - cinco

Vou concluir este fim de semana caldense, com a sempre bonita e perfumada, Praça da Fruta.

Tenho pena que ninguém lhe "lave o rosto", que "quem pode" não se mostre preocupado com o seu futuro, com a beleza que é a existência de uma praça ao ar livre, com fruta, legumes e outras coisas atractivas, como a louça, as flores e os vimes...
Provavelmente estão à espera que este monumento popular morra de "morte matada", para não lhes dar chatices, ou então que seja vitima de uma intervenção da sempre diligente, ASAE...

quinta-feira, agosto 21, 2008

viagem pelo oeste - quatro

Se há lugar que não dispenso nas minhas passagens pelas Caldas, é o Parque D. Carlos.

Mesmo sem o Museu José Malhoa (em obras há tanto tempo...) aberto ao público, não faltam atractivos, neste jardim agradável...
Como por exemplo o passeio de barco, que ficou combinado para a próxima...

quarta-feira, agosto 20, 2008

viagem pelo oeste - três

Também estive em São Martinho do Porto, a nossa bela concha do Oceano.

Estranhei que as suas águas continuem tão sujas, ao contrário da Foz do Arelho, onde até junto ao Cais, a água se apresenta transparente...
Mas as pessoas continuam e encher o areal e as bonitas barracas de pano...

terça-feira, agosto 19, 2008

viagem pelo oeste - dois

Apesar das ameaças de mau tempo durante o fim de semana, na quinta e na sexta-feira o tempo esteve excelente.

A fotografia tirada de um dos miradouros da Foz do Arelho, é a melhor prova do que digo.
O céu estava limpo, além de se avistarem as Berlengas e os Farilhões, era possivel ver o Baleal e Peniche e todo aquele areal delicioso...

segunda-feira, agosto 18, 2008

viagem pelo oeste - um

Desta vez passei o 15 de Agosto no Oeste...
Andei por muito lugar, até percorri a Feira Anual das Caldas, coisa que não devia fazer há mais de quinze anos...
Cheguei na tarde de quinta, já com um passeio de "caiaque" na Lagoa de Óbidos, previamente combinado. Foi a estreia do Miguel, que até passeou por debaixo do Cais com o padrinho...

quinta-feira, agosto 14, 2008

Acordei e Afinal...


Afinal, era mentira...

As barracas e os negócios de Verão continuavam agarrados à praia, os altifalantes não tinham desaparecido...

O areal não estava deserto, nem tão pouco estava um dia cheio de sol...

Eu sabia, que só me era permitido ter uma praia "só para mim", lá mais para Outubro...

quinta-feira, agosto 07, 2008

As Eiras Sonoras de Agosto

Lembro-me de assistir à debulha de cereais e legumes numa das eiras (já de cimento, quase comunitária...) de Salir de Matos, fascinado pelo som daquelas varas compridas, usadas para malhar o trigo, a cevada e até o feijão seco...

Era um espectáculo impressionante para qualquer criança.
Sei que também tentei "malhar" as plantas secas, mas era pequeno demais e sem grande força e jeito para manejar a vara. Também ajudei a apanhar os "frutos" que se soltavam e depois eram peneirados pelas mulheres da família...
Agosto era um mês cheio de atractivos no campo durante a minha meninice. Isto claro, antes da adolescência, antes da praia ocupar quase todo o mês de Agosto, de deixarmos de passar semanas inteiras de férias na casa dos avós, em Salir de Matos...

Este óleo, "Milho ao Sol", de José Malhoa, mostra-nos um pouco como eram as eiras, terrenos direitos, onde se espalhavam os cereais e legumes ao sol, para depois serem debulhados...

sábado, agosto 02, 2008

Manifestação


Li hoje nas páginas do "Sol" que Manuel Alegre e João Queirós e Melo, estão à frente de um movimento, apoiado por veraneantes, moradores e comerciantes da Foz do Arelho, que se prepara para se manifestar contra a "balbúrdia", com que o Município das Caldas - que não devia ser apenas do Costa -, faz questão de oferecer a todos aqueles que procuram aquele lugar especial em busca de paz e descanso...

Embora esteja um pouco afastado da "minha praia", principalmente no Verão, estou completamente solidário com os manifestantes.
Se há um lugar que não precisa de altifalantes e de música, é a Foz do Arelho, o som do Mar único, basta para animar a praia e os seus frequentadores dilectos...

segunda-feira, julho 14, 2008

As Ceifas

A ceifa dos campos está associada ao Verão...

Lembro-me no começo da adolescência de a minha avó me ter ensinado a ceifar. Embora, na verdade, nunca me ajeitasse muito com a foice.
Pouco tempo depois, tive oportunidade de colocar em prática os ensinamentos da avó. Não sei bem porquê, sei apenas que eu, o meu irmão e o meu pai, tivemos de ceifar o pasto que o avô tinha semeado para o gado, na parte superior da Ambrósia.
Claro que aquilo era mais brincadeira que ceifa, ao ponto de o pai, ceifar mais de metade do pasto...
Para não ficarmos muito desanimados, explicou-nos o porquê de ceifar tão bem, contando-nos as suas aventuras no Alentejo, nos tempos de escassez de comida e de trabalho...
O pai e o seu avô, assim que se aproximava a época das ceifas, faziam a trouxa e partiam para da Beira Baixa para o Alentejo, onde passavam dias e dias a ceifar, de sol a sol, atrás do "pão", amassado por algum parente do diabo...
Claro que nem tudo era mau, havia sempre o convívio, a alegria do povo que vinha de várias regiões, para o Sul, e as histórias, que ia ouvindo aqui e ali, sobre outros mundos, além da sua Beira, tão inóspita...

O belo óleo, "A Salmeja", é da autoria de Silva Porto.

terça-feira, julho 08, 2008

Descobrir Esta Foz do Arelho

Este óleo de Constâncio Silva, datado de 1943, deixa-me com algumas dificuldades, em identificar esta Foz do Arelho.

Penso que a paisagem que se vê ao longe, será da Margem Sul, ou seja do lado dos "belgas". Penso que esta parte da lagoa, ainda está distante da aberta... talvez entre o cais (inexistente na época - pelo menos o actual de cimento armado, que sempre conheci...) e o palacete do conde D'Almeida Araújo.

Aceitam-se pistas e deduções...

quarta-feira, julho 02, 2008

O Primeiro Pinheiro Chagas

Depois de visitar o blogue caldense, Águas Mornas, apeteceu-me ir à procura da história de um edifício curioso, que ocupava o mesmo espaço do Cine-Teatro Pinheiro Chagas, que visitei tantas vezes na infância, uns bons anos antes.


Acabei por descobrir que era mesmo uma outra sala de espectáculos, também com o nome de Pinheiro Chagas, inaugurada em Setembro de 1902...

A hoje, Praça 5 de Outubro (obrigado Rolando...), popularmente conhecida por Praça do Peixe, apesar de já não se vender pescado há uns anitos, era bem mais bonita, neste postal do começo do século vinte, que na actualidade...

Este postal foi editado em 1906 pela tipografia Dias & Paramos.

quinta-feira, junho 26, 2008

As Férias Grandes

Por esta altura já estava de férias, as famosas férias grandes, que se prolongavam até ao fim de Setembro...
Na infância, as férias eram repartidas pelo campo (a casa dos avós maternos em Salir de Matos), pela praia (muito Salir do Porto, alguma Foz do Arelho, pouco Baleal) e pelas ruas do bairro (com jogatanas de futebol intermináveis na rua detrás, da terra que nos pintava as pernas e a roupa de negro).
No começo da adolescência, a praia ganhava ao campo, e a Foz do Arelho, arrumava definitivamente as outras praias... lembro-me de quase abrirmos a época balnear e de a fecharmos em Setembro... muitas vezes com nevoeiro e frio, éramos os únicos "malucos" que não arredavam pé, e não passavam sem os banhos e as diversões dentro de água...
Os únicos seres que rivalizavam connosco, como "proprietários da praia", eram as gaivotas...
E foi assim, até crescermos um palmo e perdermos esta "boa vida"...

O óleo, "Gaivotas", é do setubalense, João Vaz.

sexta-feira, junho 20, 2008

O São João nas Caldas

Não sei porquê, mas o S. João sempre foi o Santo mais querido das Caldas da Rainha.
Aliás, penso que ainda se realiza a Feira de S. João, com as atracções do costume, embora com bastante menos povo...
Há quarenta anos esta feira era um mimo, ainda se achava graça ao circo, ao carrocel, aos carrinhos de choque, ao poço da morte, às farturas e até aos vendedores de "banha da cobra"...
Nesses tempos longínquos a feira realizava-se na Mata da Rainha, assim como a de 15 de Agosto. Era um nunca acabar de barracas de quinquilharias, de brinquedos, de roupas, de comes e bebes, e claro, a parte mágica, de diversões.
Provavelmente não era bem assim, mas estou a escrever por cima da memória da criança que olhava para tudo, quase rente ao chão, e por isso, tudo lhe parecia grandioso...

Mais um Malhoa excelentissimo, "As Padeiras"...

sexta-feira, junho 13, 2008

Quando Alberto é Nome de Poeta e de Pessoa...


Sou um guardador de rebanhos,
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.

in "Poemas de Alberto Caeiro", obra poética de Fernando Pessoa. O óleo, "Gritando ao Rebanho" é de José Malhoa

domingo, junho 08, 2008

Tudo Começou no Oeste...

Tudo começou no Oeste, no velho Campo da Mata...
Na início acho que gostava muito mais de ir com o meu pai ao futebol, de mão dada, pelas ruas da Cidade até à velha Mata, pelo orgulho que sentia da sua companhia, que pelo espectáculo do futebol.
Acho não, tenho a certeza.
O meu pai era um mestre dos silêncios, nunca foi de muitas palavras. Nem mesmo durante o jogo. À nossa volta gritava-se, chamavam nomes (alguns dos quais desconhecia na inocência dos meus seis anos...) ao árbitro e aos jogadores adversários. O meu pai via o jogo pelo jogo, irritava-se com os falhanços dos jogadores do Caldas, mas raramente arranjava bodes expiatórios ou gritava.
Embora não o interiorizasse na época, foi a partir desse momento que percebi que o futebol era composto por dois espectáculos, um dentro do campo e outro nas bancadas.
Felizmente, sempre me interessou mais o que se passava no terreno de jogo, os golos e a arte dos futebolistas.
Mais uma vez o dedo do meu pai estava presente. Nunca usámos cachecóis ou bandeiras, éramos uma espécie de espectadores anónimos no meio dos adeptos...
Foi sempre assim pela vida fora. Já em Lisboa. nunca subi para o histórico terceiro anel, que tanto abanava como tremia, com cachecol, nem mesmo nas noites europeias frias do Inverno...
Esta prosápia deve-se ao corropio aqui de casa, com bandeiras, cachecóis, lenços, cornetas, durante o jogo de Portugal, que ganhámos á Turquia. Percebo que sou o único que aprecia o futebol, o resto da "turma" gosta mais do outro espectáculo, até querem ir festejar a vitória para a rua...

domingo, junho 01, 2008

O Cinema é Sempre Um Espectáculo

Hoje fui ao cinema, porque o meu filho achou que era um bom dia para vermos o "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal".

Antes do filme assistimos a um desfile agradável de anúncios. Ele disse-me que eram mais completos que na televisão, como se fossem quase um pequeno filme... e tem toda a razão, a própria produção desta publicidade é muito cinéfila, como sempre foi a da Martini.
Lembrei-me de como a história do tempo mudou as primeiras partes dos filmes. Do tempo dos meus pais, havia sempre um documentário, no meu eram os desenhos animados, hoje é a publicidade...
Assim como as salas. Desta vez vi o filme numa sala mais ampla que o habitual. Recordei-me dos primeiros filmes que vi no Cine-Teatro Pinheiro Chagas e no Salão Ibéria, salas que pertencem quase à "pré-história" para os caldenses que têm menos de trinta anos...

segunda-feira, maio 26, 2008

Notícias da Cultura na Minha Cidade...

Finalmente, a Cultura voltou a ter um espaço digno nas Caldas da Rainha, com a inauguração do Centro de Cultura e Congressos da Cidade (CCC).

Agora, o mais importante é que os responsáveis pela Cultura das Caldas saibam tirar o melhor proveito de umas instalações com esta dimensão, bastante multifacetadas, que também devem ter as portas abertas aos artistas do concelho...

É bom mudar hábitos, esquecer o ditado que diz: «santos da terra não fazem milagres», e que tanto jeito tem dado a muito boa gente...


Que esta bonita ilustração de Jacek Yerka, seja inspiradora e haja lugar para tudo e para todos no novo CCC das Caldas da Rainha...

quarta-feira, maio 21, 2008

A Nossa Guerra

Deve haver muito pouca gente, que não tenha tido um familiar em África, a defender as nossas antigas colónias.
Eu tenho dois tios e dois primos, que estiveram em Angola, Moçambique e Guiné. Felizmente regressaram sem marcas visíveis desta passagem, próxima do "inferno"...
O mesmo não aconteceu a Mário Henriques, o primeiro mártir desta guerra estúpida, que conheci, amigo de infância dos meus tios de Salir de Matos.
Tinha apenas onze anos (pensava que tinha menos, mas o meu tio Zé disse-me que ele já faleceu depois da Revolução de Abril...), quando nos chegou a notícia da sua morte...
Toda a aldeia de Salir de Matos sentiu aquela morte, de uma forma profunda, por ser um meio pequeno e por toda a gente se conhecer. Os seus pais e a sua namorada, que passou por uma espécie de viuvez, foram quem sentiu mais esta perda...
Passados todos estes anos, ainda me lembro do seu sorriso, da sua alegria de viver, das suas brincadeiras, de andar às suas cavalitas...
O Mário é apenas um exemplo, entre muitos, dos milhares de jovens portugueses, que perderam a vida no Ultramar, nos anos sessenta e setenta, em defesa da pátria.

sábado, maio 17, 2008

A Importância da Água

Há um século, a água era um bem, muito menos desperdiçado, que nos nossos dias, cada vez menos fartos, apesar da ilusão consumista...

Esta fotografia de Jorge Almeida Lima, era comum a tantas terras, ainda sem água canalizada em casa, que se socorriam dos chafarizes públicos, para abastecer os lares deste liquido precioso.
As pessoas acorriam, muitas vezes com sofreguidão, com medo que a água acabasse, enchendo baldes e cântaros, para as lavagens e usos domésticos.
Das bicas saía a água para beber, guardada nas tradicionais bilhas de barro, onde se mantinha fresca...
Apesar de não ter um século, ainda sou "deste tempo" dos chafarizes públicos, pelo menos quando passava férias em Salir de Matos. Devo acrescentar que era uma festa ir buscar água ao chafariz da aldeia, com as brincadeiras do costume, em que acabava no mínimo salpicado, nas muitas "batalhas navais", travadas com o meu irmão nos tanques...

terça-feira, maio 13, 2008

As Cavacas das Caldas

O primeiro símbolo gastronómico que conheci na minha cidade, foram as célebres e doces Cavacas das Caldas.

E, imaginem só, em Salir de Matos...

Uns tios e primos tinham uma fábrica artesanal destes doces, na aldeia, penso que gerida pela tia Glória com o auxílio dos filhos e de uma empregada, da qual não recordo o nome.

O que sei, é que tanto eu como o meu irmão, adorávamos aparecer e deliciarmos-nos com os restos de açúcar que ficavam dentro dos alguidares de alumínio...

Estes nossos familiares acabaram com o negócio das Cavacas, por razões que desconheço. Sei apenas que ainda éramos pequenotes e durante algum tempo, sentimos saudades daquela fábrica de doces...
Este postal antigo mostra-nos as vendedeiras de Cavacas, na famosa Praça da Fruta...

terça-feira, maio 06, 2008

O Fim das "Quintas Pedagógicas" Domésticas...

O meu filho sempre gostou do campo. Desde pequenote que gosta de brincar na terra (pobre quintal da avó, tão esburacado...), de ver crescer as plantas e de descobrir o mundo dos animais...

Uma das nossas visitas imperdíveis em Salir de Matos é ao casal do tio Arcelino, onde o meu filho tem a oportunidade de ver de perto um verdadeiro "zoo" da bicharada doméstica.

Claro que as coisas já não são o que eram, devido ao aparecimento da ASAE e de uma série de restrições legais (que até se intrometem nas tradições locais, como a matança do porco em família...), que não permitem a qualquer pessoa ter animais em casa...
Nos seus melhores momentos, encontrávamos um bezerro, uma porca e leitões, coelhos, galinhas, galos, patos, ovelhas e cabras, espalhados ao longo dos vários currais e capoeiras do casal.
Hoje existem menos espécies de animais domésticos, mas nem mesmo assim o Miguel dispensa uma visita à "quinta pedagógica" do tio Arcelino...

domingo, abril 27, 2008

Os Jardins da Família de Salir de Matos

Um dos motivos de orgulho da nossa família era o jardim da casa da avó, sempre muito bem cuidado pelo avô e tão elogiado pelas pessoas que passavam pela nossa rua, a caminho da igreja de Salir de Matos, com vontade de colher uma ou outra flor.

Os dotes do avô, felizmente tiveram continuidade.
O jardim da casa dos tios Zé e Lurdes, é um mimo de se ver, cheirar e sentir, tal é a variedade de flores e plantas, ao qual nem falta um pequeno lago, com peixes e rãs, que são o encanto dos mais pequenos...

Este jardim não é tão apreciado como o do avô, apenas por estar mais resguardado dos olhares públicos, que o da velha casa da avó...

sexta-feira, abril 25, 2008

A Minha Pequena Revolução

«Apesar de ter apenas onze anos, recordo-me bem do dia 25 de Abril de 1974, «inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio», como tão bem retratou, a nossa Sophia de Melo Breyner Andresen.
Como vivia nas Caldas da Rainha, uma cidade de província notoriamente conservadora, não se sentiram grandes ecos revolucionários, pelo menos até ao fim da tarde.
Penso mesmo que a cidade viveu este dia de uma forma apreensiva, até porque um mês e alguns dias antes, os militares do RI 5 tinham saído do Quartel em direcção a Lisboa, para participar numa outra Revolução, que tinha entretanto sido adiada...
A censura tentou, e conseguiu, que o 16 de Março fosse tratado de uma forma ligeira, sem merecer grande destaque nos jornais, na rádio e televisão. O saldo desta tentativa de revolta, saldou-se pela prisão e destacamento dos militares envolvidos, para evitar males maiores.
Como é óbvio, a Cidade teve conhecimento do caso, embora a maior parte das pessoas não soubessem ao certo o que tinha acontecido. Não me lembro de ter sido tema de conversa em casa. Como eu e o meu irmão ainda éramos menores, os meus pais não falavam destas coisas à nossa frente. Mas na Escola Preparatória Rafael Bordalo Pinheiro, onde estudava, esta rebelião foi bastante falada, e até ficcionada, pela imaginação fértil das crianças de onze e doze anos, que nutrem um fascínio especial por histórias de “guerra”, entre os bons e os maus.
Um dos meus melhores amigos, filho de um militante do PCP, facto que desconhecia na época, contou-me, quase como se fosse um segredo de estado, que o pai tinha estado nesse dia com alguns amigos, a observar à distância as movimentações dentro e fora do Quartel. Munido de binóculos assistiu à saída e entrada de viaturas militares, assim como das forças da autoridade.
Felizmente, quarenta dias depois, a Revolução saiu mesmo à rua.
Militares vindos de várias regiões do país invadiram a Capital e ocuparam os lugares estratégicos da cidade. As dúvidas iniciais dos “Capitães de Abril” transformaram-se em certezas, graças ao apoio popular de milhares de pessoas, que surgiram de todos os lados, de uma forma completamente expontânea, para dar vivas à Revolução e à Liberdade.
Enquanto a multidão invadia a baixa e deixava o Largo do Chiado em estado de sitio, eu brincava no quintal da minha casa, satisfeito pelo “feriado” escolar inesperado. Assistia serenamente à troca de informações entre a mãe e uma vizinha, que não tiravam os ouvidos do rádio, que dava conta dos últimos desenvolvimentos (nessa altura já tínhamos televisão, mas as emissões deviam ter sido interrompidas, pois só me recordo da transmissão das notícias radiofónicas...) da Revolução.
O ponto alto desse dia acabou por ser a rendição de Marcelo Caetano e de todo o governo. Era o sinal mais da vitória dos Militares de Abril.
A minha mãe ficou bastante dividida nesse final de tarde, porque era uma das muitas espectadoras atentas às “Conversas em Família” do Marcelo Caetano, por quem tinha uma grande admiração, considerando-o um bom governante e um homem sério.
O meu pai, de espírito mais libertário, ficou bastante satisfeito com este desfecho. Acreditou firmemente na possibilidade de Portugal se tornar um país mais justo, tal como milhões de portugueses...
Uma das coisas que mais o chocava eram os constantes abusos de autoridade, praticados por quem detinha qualquer poder. Qualquer soldadeco da GNR ou agente de terceira da PSP, procedia como se fosse dono deste, ou de qualquer outro mundo. O pai tratava-os por “pançudos” e realmente, nessa época, eles eram todos bem anafados...
Como devem calcular, mais chocado ficava, quando sabia que alguém tinha sido preso ou interrogado, pelo simples facto de defender um Portugal mais livre e democrático.
Acabo como comecei, com as palavras de Sophia. Tenho algumas dúvidas que «esta é a madrugada que eu esperava», porque trinta e três anos não foram suficientes para nos termos tornado um país mais justo e igualitário. Claro que «livres habitamos a substância do tempo»... e a Liberdade continua a ser a herança mais preciosa da Revolução de Abril.»


Esta é a minha crónica, que consta no livro "25 Olhares de Abril", coordenado por Carlos Garrido (apresentado no próximo dia 29 de Abril, na livraria "CIrculo de Letras", em Lisboa), que me pediu para lhe contar como tinha sido o meu 25 de Abril, em 1974. Claro que é um olhar sem profundidade e sem mágoa, de alguém com onze anos, que pouco ou nada sentiu, os reflexos do salazarismo ou marcelismo. Limitou-se a ouvir falar. Mas o dia, foi assim...

quarta-feira, abril 23, 2008

Não Um, Mas Dez Livros Especiais...


(Continuação do "Largo da Memória"...)

Mais tarde ainda, antes de me cruzar com José Cardoso Pires no “Ribadouro” (e com o Fernando Lopes que adaptou o romance ao cinema, só podia ser ele...), li o “Delfim” e percebi um pouco melhor como se vivia antes de 1974, onde havia gente ligada ao regime, que era quase dona do mundo português...
Pelo meio fui transportado para a Margem Sul, onde conheço os “Bonecos de Luz” (novamente o cinema...) de Romeu Correia, que também se torna um amigo especial, e me apresenta Almada, de uma forma fascinante.
Desço um pouco mais para Sul e aparece-me, de mão beijada, “O Fogo e as Cinzas”, de Manuel da Fonseca, que me oferece um olhar especial sobre o Alentejo...
Já homem grande, ainda me consegui enternecer com a beleza das palavras de Luís Sepúlveda, em “O Velho que Lia Romances de Amor”...
O curioso em todas estas leituras, é a compulsão que sinto em ler, quase de seguida, toda a obra dos escritores que descubro e amo as palavras.
Bem... provavelmente, o melhor é ficar por aqui, tentar “desligar” a memória, antes que me apareçam mais livros e autores, a pedirem umas palavras, a recordarem-me o prazer com que li as suas “vidas de papel”...



Este texto tem dedicatória... é dedicado a uma senhora que talvez goste mais de livros que de gatos, a Isabel Castanheira, que me pediu um texto sobre um Livro da minha vida e recebeu mais nove...