quarta-feira, outubro 30, 2024

As perseguições boas do passado...


Estava com as mãos na terra castanha, a apanhar as ervas que cercavam os pés das videiras, antes de as podar, e a pensar no prazer que tenho em mexer e remexer nesta areia diferente, que me pinta as mãos de castanho, por deixar as luvas arrumadas na prateleira da garagem, voluntariamente...

Sou o único que faz isso. Todos os restantes elementos da família, antes de fazerem qualquer coisa, no terreno com cada vez menos uso, enfiam as luvas nas mãos, como se este mundo lhes fosse estranho. E é...

Nenhum deles teve um Avô, agricultor a tempo inteiro, numa aldeia que era o espaço privilegiado das férias grandes, minhas e do meu irmão, que tinham muito mais campo que mar, na infância... 

Penso sempre nele, quando olho para as minhas mãos castanhas enquanto mexo na terra estranha, que produz muito mais ervas daninhas que plantas para consumo interno. Se tivesse escutado os seus conselhos em vez de andar a brincar com o meu irmão, muitas vezes em "terrenos proibidos", onde deixávamos sempre a marca do nosso calçado, quase como "impressão digital", talvez o hoje fosse diferente... Mas aqueles eram tempos de brincar, e eu estava longe de sonhar ser agricultor, até por saber e ver a roda viva do avó, que saltava quase diariamente de fazenda em fazenda, porque era ali que estava o seu sustento...

E gosto de pensar no Avô, não só por ser um tempo feliz, este da infância, mas por sentir um grande orgulho neste homem, excessivamente sério, incapaz de apanhar uma peça de fruta, mesmo da que cai no chão, de uma fazenda que não fosse sua...

Nota: Texto publicado inicialmente no "Largo da Memória".

(Fotografia de Luís Eme - Óbidos)


segunda-feira, outubro 28, 2024

O romantismo do meu querido Caldas...


Graças ao Canal 11 (da FPF), acompanho de perto os jogos de futebol do meu querido Caldas.

Embora saiba que existe algum exagero em chamar à equipa da minha primeira cidade, a menos profissional de todas as que participam na Liga 3, gosto de pensar dessa maneira.

Até porque o futebol jogado pela equipa de José Vala está cheio de romantismo, os jogadores estão ali para trocarem a bola uns com os outros, para se divertirem, mesmo que joguem com uma qualquer "super-equipa", construída para subir de divisão.

Claro que este "romantismo" também transporta alguma ingenuidade. É por isso que esta equipa perde tantos pontos nos últimos minutos, como aconteceu ontem, no Campo da Mata.

Não é que eu queira que o Caldas se transforme numa equipa matreira, calculista, que apenas pense nos pontos, mas é preciso ganhar alguma frieza, principalmente na parte final dos jogos. 

Até porque algumas partidas agora têm mais de 100 minutos...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


quarta-feira, outubro 23, 2024

"Somos, mas já não somos..."


Hoje foi um dia. quase passado integralmente no Oeste, para estarmos com o nosso tio da América.

Com um almoço da família à antiga, com múltiplas viagens pelo passado, com o regresso dos avós, do pai, e claro, de muitos lugares onde fomos felizes, em quase mil aventuras, tanto em Salir de Matos, como no Bairro da nossa meninice, ou em espaços especiais, como o Parque ou o nosso Mar...

Parque que nos levou a uma revisitação do Museu do nosso Malhoa, um lugar especial na nossa infância (pensava que era só eu que o recordava com um olhar ternurento, mas o meu irmão ao almoço, quando falámos que íamos passar por lá, também nos disse que era um sítio especial, desde sempre...).

E claro, aquele espaço não nos desilude, mesmo que a sua arte tenha pouco de moderna. Talvez até seja por causa dele que sou tão "conservador" nos meus gostos artísticos...

Depois fomos ver o Mar, aquele que tem uma cara séria e uma voz de trovão. Esse mesmo, o da Foz do Arelho. Antes ainda passámos pela Lagoa de Óbidos, que nos sorriu agradada com a visita.

E depois fomos pela estrada Atlântica, até Salir do Porto e depois São Martinho do Porto.

Contei que Salir era a praia da nossa infância. Íamos no "Comboio-Correio", quase sempre lotado de veraneantes, nesses longínquos anos sessenta. Claro que mal crescemos um palmo, tanto eu como o meu irmão e os amigos do bairro, elegemos a Foz do Arelho, como a "praia da nossa vida"...

Já em São Martinho do Porto fui contando à nossa "estreante" no Oeste, que esta praia além de ser a "banheira das duquesas", era o espaço de eleição dos "betinhos", tanto do Oeste como da Capital. Além deste pormenor, eles perceberam que aquele Mar era mais "sujo". Acrescentei que também era mais sonso, não tinha nada a ver com a Foz do Arelho...

E depois foi o regresso a casa.

Quando comecei a escrever estas notas de viagem, pensava que "somos, mas já não somos", destes lugares, mesmo que eles fiquem para sempre, dentro de nós...

Nota: texto publicado inicialmente no "Largo da Memória".

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)