Um dos aspectos mais pitorescos das nossas memórias são as mudanças físicas dos lugares.
Uma conversa ou uma fotografia antiga são o suficiente para nos recordarem que onde hoje existe um aglomerado de prédios, antes existiu uma quinta e também um baldio, que transformávamos com grande alegria em campo de futebol.
Foi ao lembrar-me de uma dessas quintas que separavam os bairros, que me lembrei de um antigo companheiro de escola, que era muito mau aluno, ficando para trás logo na segunda classe, quando havia "chumbos" na primária. Como morava nos arrabaldes do meu bairro, continuámos a vermos-nos. Ele era tão magro, que nós chamávamos-lhe o "esqueleto humano".
Estivemos uns anos sem nos encontramos, até que ele foi morar para o que restava de uma quinta, que ficava a caminho da casa dos meus país (entretanto nós também tínhamos mudado de bairro...).
Descubro um homem feito com vinte e um anos, a cumprir o serviço militar, já com dois filhos e a mulher à espera do terceiro. Às vezes falava com ele e descobria que ele era muito mais "desembaraçado" que eu. Ou seja muito mais vivido e preparado para enfrentar a vida, com toda a conjugação de problemas que nos vão surgindo pela frente. A própria vida obrigou-o a correr atrás do "pão". Enquanto nós continuávamos a passear os livros, ele trabalhava, certamente...
Pouco tempo depois a quinta foi transformada em lotes e ele teve de partir para outro lugar e nunca mais nos encontrámos.
Comecei a falar da memória e dos lugares, mas o que eu queria dizer é que as pessoas com menos instrução, pensam menos e vivem mais. Habituam-se desde cedo a viver o seu dia a dia sem pensar muito, ou seja vivem a vida como ela é...
De certeza que não era nada confortável para a sua mulher, provavelmente com uns dezoito anos, já ter dois filhos para criar e ter um terceiro a caminho. Mas como diria a minha avó, tudo se cria...
Nãos sei se nós pensamos de mais. Sei sim, que só quem não gosta de pensar muito, é capaz de ter uma "ninhada" de filhos nestes tempos a lembrar alguma da literatura de Charles Dickens...
O óleo é de Damian Elwes.
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