Ouvia-a, sem saber muito bem o que dizer.
Sei que não é das coisas mais bonitas revelarmos pena dos outros, mas naquele momento eu estava mesmo com pena dela, a escutar toda aquela dor que lhe saia da boca e se reflectia nos olhos.
Consegui recordar com saudade os almoços e jantares familiares que enchiam a casa dos avós, com filhos e netos. Éramos mais de vinte, nem sei como cabíamos todos à mesa... sei sim, havia sempre uma mesa "extra" para os mais pequenos...
Não eram aquela coisa feia, triste e chata que ela contava, com mais desconversas que conversas.
Mesmo assim fez-me pensar que de vez enquanto também apareciam conflitos à mesa, mas eram sempre bem geridos pelos avós, pelo respeito que impunham nos filhos e netos.
Continuava sem saber bem o que dizer, foi por isso que deixei fugir qualquer coisa do género: «a família banalizou-se, quase que não se têm filhos, quando há cinquenta, sessenta anos, meia-dúzia era um número normal.»
Ela respondeu-me, «ainda bem», fingindo-se aliviada.
Recordei que enquanto os avós foram activos, a família era um Farol sempre aceso e eles os faroleiros-mor, sempre de serviço, para que nenhuma "barca" fosse levada pelo Oceano...
Tão longe deste tempo, de casas vazias, de gente que se finge feliz, sozinha...
O óleo é de Jean Marie Barre.
12 comentários:
Prosa deliciosa, tão real.
É verdade, os meus avós também eram os "faroleiros" que iluminavam a família.
E éramos mais felizes.
Fiquei emocionada com o teu texto.
A casa dos meus sogros que agora pertence a um dos meus cunhados continua a ser o porto de abrigo de uma família, felizmente grande e a crescer.
O último encontro foi neste fim-de-semana, éramos 20 adultos e cinco crianças, faltaram quatro adultos mas com falta justificada! :-))
E é sempre tempo de lembrar as brincadeiras dos miúdos que agora são quase todos adultos e algumas já mães de família, os belos cozinhados da avó, o riso do avô, as piadas de um dos "miúdos" que partiu precocemente, o despacho da cunhada (que também partiu demasiado cedo) quando era a vez dela a lavar a loiça...
Enfim, histórias que não nos cansamos de recontar num misto de alegria/saudade/tristeza.
Queremos transmitir aos mais novos a memória do que vivemos e que os que entram de novo na família saibam que aquela é uma Família!
"... de gente que se finge feliz, sozinha..."
Como eu gostei desta frase que hoje com casas cheias é, cada vez mais, real...!
Há ainda outra nuance: casas cheias de conversas vazias.
Parece que as pessoas desaprenderam de conversar, com profundidade. Falam de ninharias e entretêm-se a olhar para a televisão.
é tristemente verdade, luís. desde que os avôs partiram, a família desmembrou-se... um beijinho...*
é mesmo real, Ana.
pois éramos, Diana.
havia o farol e os faroleiros...
a tua família é uma raridade, Rosa.
a minha mãe ainda tentou manter estas tradições, mas foi encontrando sempre obstáculos...
é a realidade deste tempo cruel, cínico e egoísta, Maria.
sim, Jorge.
a televisão é um bom pretexto para não se ligar aos outros...
é assim, Alice...
lá dizia o poeta, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.»
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