quinta-feira, agosto 12, 2010

Ouvir, Quase sem Espaço para Falar...

Ouvia-a, sem saber muito bem o que dizer.

Sei que não é das coisas mais bonitas revelarmos pena dos outros, mas naquele momento eu estava mesmo com pena dela, a escutar toda aquela dor que lhe saia da boca e se reflectia nos olhos.
Consegui recordar com saudade os almoços e jantares familiares que enchiam a casa dos avós, com filhos e netos. Éramos mais de vinte, nem sei como cabíamos todos à mesa... sei sim, havia sempre uma mesa "extra" para os mais pequenos...
Não eram aquela coisa feia, triste e chata que ela contava, com mais desconversas que conversas.
Mesmo assim fez-me pensar que de vez enquanto também apareciam conflitos à mesa, mas eram sempre bem geridos pelos avós, pelo respeito que impunham nos filhos e netos.

Continuava sem saber bem o que dizer, foi por isso que deixei fugir qualquer coisa do género: «a família banalizou-se, quase que não se têm filhos, quando há cinquenta, sessenta anos, meia-dúzia era um número normal.»

Ela respondeu-me, «ainda bem», fingindo-se aliviada.

Recordei que enquanto os avós foram activos, a família era um Farol sempre aceso e eles os faroleiros-mor, sempre de serviço, para que nenhuma "barca" fosse levada pelo Oceano...

Tão longe deste tempo, de casas vazias, de gente que se finge feliz, sozinha...
O óleo é de Jean Marie Barre.


12 comentários:

Ana disse...

Prosa deliciosa, tão real.

Diana disse...

É verdade, os meus avós também eram os "faroleiros" que iluminavam a família.

E éramos mais felizes.

Rosa dos Ventos disse...

Fiquei emocionada com o teu texto.
A casa dos meus sogros que agora pertence a um dos meus cunhados continua a ser o porto de abrigo de uma família, felizmente grande e a crescer.
O último encontro foi neste fim-de-semana, éramos 20 adultos e cinco crianças, faltaram quatro adultos mas com falta justificada! :-))
E é sempre tempo de lembrar as brincadeiras dos miúdos que agora são quase todos adultos e algumas já mães de família, os belos cozinhados da avó, o riso do avô, as piadas de um dos "miúdos" que partiu precocemente, o despacho da cunhada (que também partiu demasiado cedo) quando era a vez dela a lavar a loiça...
Enfim, histórias que não nos cansamos de recontar num misto de alegria/saudade/tristeza.
Queremos transmitir aos mais novos a memória do que vivemos e que os que entram de novo na família saibam que aquela é uma Família!

A OUTRA disse...

"... de gente que se finge feliz, sozinha..."

Como eu gostei desta frase que hoje com casas cheias é, cada vez mais, real...!

Jorge disse...

Há ainda outra nuance: casas cheias de conversas vazias.
Parece que as pessoas desaprenderam de conversar, com profundidade. Falam de ninharias e entretêm-se a olhar para a televisão.

Anónimo disse...

é tristemente verdade, luís. desde que os avôs partiram, a família desmembrou-se... um beijinho...*

Luis Eme disse...

é mesmo real, Ana.

Luis Eme disse...

pois éramos, Diana.

havia o farol e os faroleiros...

Luis Eme disse...

a tua família é uma raridade, Rosa.

a minha mãe ainda tentou manter estas tradições, mas foi encontrando sempre obstáculos...

Luis Eme disse...

é a realidade deste tempo cruel, cínico e egoísta, Maria.

Luis Eme disse...

sim, Jorge.

a televisão é um bom pretexto para não se ligar aos outros...

Luis Eme disse...

é assim, Alice...

lá dizia o poeta, «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.»